1 de Maio de 2027

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Mais do que desfiles e celebrações do sindicalismo, este dia devia forçar-nos a uma reflexão sobre que tipo de sociedade estamos a construir. Há umas semanas, Pedro Adão e Silva citou, numa crónica no Expresso, dois estudos – FMI e OIT – com uma conclusão comum: nas economias avançadas e nos últimos anos, os rendimentos do trabalho têm vindo a diminuir, enquanto os rendimentos do capital aumentaram. Por outras palavras, o crescimento dos salários tem ficado aquém do crescimento da produtividade do trabalho, levando a que a massa salarial em percentagem do PIB registe uma queda. Em Portugal caiu de 60% para 52% entre 2003 e 2015.

Chamo aqui estes dados porque parece-me que não estamos ainda preparados, enquanto comunidade, para as mudanças em preparação no mercado de trabalho. A nova vaga da revolução tecnológica, com a robotização e a inteligência artificial – a chamada indústria 4.0 -, está já bem para lá dos primeiros passos e, no médio prazo, vai deixar largas fatias da população sem acesso a um posto de trabalho. No fundo, vai ser cavado um fosso ainda maior entre capital e trabalho, acentuando a tendência detetada pelos estudos do FMI e da OIT. Estamos, no essencial, perante uma questão de redistribuição da riqueza. Tenho sérias dúvidas quanto à capacidade da nossa sociedade para atravessar essa próxima revolução do mercado de trabalho sem graves convulsões sociais.

Estando ainda a alguma distância, devemos parar para pensar. É um bom tema numa altura em que há quem festeje a descida da taxa de desemprego para baixo dos 10%. A nossa democracia e o nosso Orçamento do Estado estão preparados para, daqui a uns anos, ter taxas de desemprego estrutural muito acima dos valores atuais? Quem tiver emprego estará disponível para abdicar de parte do salário, trabalhando menos dias por semana, para criar postos de trabalho para os desocupados? As empresas tecnológicas, com alta rentabilidade e poucos trabalhadores, vão continuar a pagar Segurança Social “por trabalhador” e à mesma taxa de empresas “tradicionais”? O tema levanta inúmeras questões e este é o dia certo para pensar nele.

Paulo Tavares