2017 – o ano de todos os riscos

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Incapazes de perceber quanto os cidadãos estão cansados, insistem na ideia de que o atual estado de coisas corresponde ao melhor dos mundos e que para ele não há alternativa

O ano de 2017 vai desenrolar-se sob o signo dos resultados das eleições que ocorrerão na Europa.

O ‘sistema’, embora alarmado com o reforço dos “populismos”, que – queira-se ou não – se traduz, fundamentalmente, na ascensão da extrema-direita, parece, contudo, pretender continuar a ignorar as causas e, consequentemente, as soluções para esse perigoso fenómeno político.

Por pura cegueira, mera arrogância ou simples ganância, os líderes do sistema e seus propagandistas prosseguem impassíveis as mesmas políticas de sempre e prometem mesmo reforçar medidas que mais não fazem do que alimentar a revolta entre os cidadãos e o crescimento de novas forças fascizantes, xenofóbicas e racistas.

Incapazes de perceber quanto os cidadãos dos seus países estão cansados de suportar o corte de direitos, de proventos e de, por outro lado, assistir ao enriquecimento, cada vez mais, de uma pequena minoria de pessoas que, aparentemente, são estranhas ao seu país, os líderes e propagandistas do sistema insistem na ideia de que o atual estado de coisas corresponde ao melhor dos mundos, para o qual não há alternativa.

Continuam, por isso, a adotar medidas que impõem salários que não permitem uma vida digna, cargas horárias e regimes laborais (férias, feriados e horas extra) que penalizam os trabalhadores e suas famílias e que, por isso, ainda obrigam o Estado a reforçar estruturas sociais de apoio e os contribuintes a substituir-se ao que deveriam ser os tributos justos dos interesses económicos para o bem comum.

Acresce que, concomitantemente, fruto dos desmandos dos interesses financeiros, os fundos dos Estados – os dinheiros de todos nós – são chamados a estabilizar o sistema bancário e a colmatar permanentemente os prejuízos causados por uma corrupção quase pandémica, nas relações que aqueles estabelecem com os interesses privados.

Fechados nos seus círculos de apoio, alguns líderes do «sistema» – da sua direita e da sua esquerda – parecem não perceber, contudo, que as pessoas vivem cada vez mais angustiadas: os jovens, mesmo quando conseguem emprego, não podem, devido à precariedade do trabalho e à exiguidade dos salários, constituir famílias estáveis, os velhos sentem-se incapazes de sobreviver num mundo dominado por tecnologias que os segregam e tornam inábeis cedo de mais e as pessoas de meia-idade, além de hostilizadas por ainda possuírem empregos seguros, veem-se compelidas a sustentar filhos em idade laboral e netos que, sem eles e os seus «salários de privilégio», não poderiam aceder a condições que os seus pais tiveram.

Os cidadãos, esmagados e desiludidos com a insistência nas mesmas medidas de sempre, que lhes garantem não ter alternativa, acabam, revoltados, por apoiar os que lhes prometem soluções diferentes, mesmo que perigosas e de futuro incerto.

Essas opções podem – como muitos referem – ser até fruto da ignorância e da falta de cultura, mas também estas não deixam de ser o resultado da falta do tempo que lhes é negado, da impossibilidade de reflexão que este permite, de um ensino que apenas está projetado para a reprodução das necessidades económicas (ativas e passivas) do «sistema» e que não fomenta a crítica e o pensamento livre: fruto, portanto, do embrutecimento promovido, tendo em vista transformar cidadãos em trabalhadores sem estatuto, permanentemente descartáveis e meros consumidores.

Não admira, portanto, que o canto da sereia fascista – desculpem, populista – lhes possa parecer sedutor.

António Cluny
Jurista.
Jornal i 03.01.2017