Idosos: A importância de ter companhia

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Nasceu em Seia, mas do que Fernanda Cardoso se lembra bem é de estar em Lisboa logo desde a “instrução primária”. Hoje, a viúva de 77 anos, a morar no bairro de Alvalade, em Lisboa, mantém-se bastante lúcida, com um discurso leve e articulado. Sem queixume nem presa ao passado, recorda os tempos em que saía à noite e andava na rua sem medo. Não fossem as complicações respiratórias de um enfisema pulmonar, que a reformaram por invalidez aos cinquenta e poucos anos, e Fernanda continuaria a dar o seu passeio noturno como aos 19 anos, quando se estreou no teatro, numa revista do ABC, no Parque Mayer.

Na década de 1960, o marido não gostava nada que trabalhasse nas lides artísticas, por isso mudou-se dos palcos para o comércio, onde foi responsável pelo setor dos frescos num supermercado. Não teve filhos mas criou uma sobrinha, desde os sete anos até esta ir para a faculdade. Continuam a falar ao telefone mas a vida profissional da advogada não deixa muito tempo para visitar a tia.

A curta reforma que a viúva recebe, atualmente, permite-lhe pagar 64 euros pela comida, higiene e companhia disponibilizadas pelo Centro Social Paroquial do Campo Grande (CSPCG). É com dois estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, que a visitam todas as quintas-feiras à tarde, que Fernanda Cardoso põe a conversa em dia. “Prefiro conviver com estes jovens do que com as pessoas da minha idade. Para velha já basto eu”, brinca.

As conversas com Miguel Sousa e Silva e Inês Ferreira giram à volta das notícias de atualidade e, sobretudo, do interesse que tem pela vida dos futuros médicos. Miguel, 22 anos, e Inês, 21, inscreveram-se no programa “Saúde e Companhia”, criado há três anos pela associação de estudantes daquela faculdade. Para Miguel, no quinto ano e a fazer a tese sobre cuidados paliativos, “é um privilégio passar este tempo com pessoas com mais experiência”. Já Inês, no quarto ano, quer seguir uma especialidade médica para ter um contacto mais próximo com os doentes. Como eles, há cerca de 20 rapazes e raparigas a fazerem visitas domiciliárias, enquanto outros dão formação sobre diabetes ou doenças cardiovasculares.

Miguel Sousa e Silva e Inês Ferreira, alunos da Faculdade de Medicina, dão um pouco do seu tempo ao projeto Saúde e Companhia
Marcos Borga

AMIGOS IMPROVÁVEIS

Fernanda Cardoso é uma das 90 pessoas que por razões de doença ou acessibilidade não conseguem
sair de casa, numa freguesia onde foram identificados pela polícia mais de 300 casos em situação de isolamento. “Programas como este, que devolvem significado à vida dos seniores, são importantes para que sintam que fazem parte da sociedade. A dignidade humana depende de ter opinião, de partilhá-la e de poder fazer escolhas”, argumenta Helena Presas, 58 anos, diretora executiva e coordenadora da área sénior do CSPCG.

Há 25 anos, a fisioterapeuta, que depois de tirar o curso de Teologia se dedicou à paróquia, criou o primeiro grupo de visitadoras. Para ela nada é mais importante do que o trabalho de equipa. “Trabalhamos muito em rede, não temos a pretensão de fazer nada sozinhos”, refere. “Há dez anos a consciência de cidadania era muito menor e os grupos organizados não existiam. Dantes tínhamos de chamar as pessoas, agora a sociedade mobiliza-se.” Na sua equipa trabalham 16 ajudantes de ação direta, mais 63 voluntários no apoio domiciliário.

“Amigos Improváveis” é outro dos programas que também atua na paróquia do Campo Grande. Há dois anos, Maria Almeida e Brito, aluna da Universidade Nova, quis replicar em Lisboa a “Missão País” projeto universitário que leva um grupo organizado, durante uma semana, até uma vila de média dimensão, onde porta a porta fazem companhia aos idosos. Já presente em dez zonas de Lisboa, chegando até Algés, uma das funções dos coordenadores de zona Gonçalo Barbosa, 22 anos, e Gonçalo Cabral, 21, é fazer o encontro perfeito entre os perfis dos jovens e os dos mais velhos.


Gonçalo Cabral e Gonçalo Barbosa fazem parte do grupo de voluntários Amigos Improváveis, fundado por uma aluna da Universidade Nova de Lisboa
Marcos Borga

Além disso, não abdicam de fazer as suas visitas. “É aquele momento da semana em que nos sentimos realizados”, concordam em uníssono. “A primeira abordagem é a mais difícil, mas também a mais desafiante. São pessoas que têm muito para contar mas nem sempre é fácil falar”, explica Gonçalo Cabral, aluno de mestrado em Finanças. “À nossa geração falta-lhes o convívio com os mais velhos. Para convencer os meus amigos a fazerem voluntariado digo-lhes ‘o vosso tempo é agora'”.

Já Helena Presas não tem dúvida de que as pessoas com mais atividades são as que se organizam melhor e conseguem dar mais aos outros. Gonçalo Cabral, por exemplo, acabou o curso com uma boa média, faz surf, joga ténis duas vezes por semana, tem aula de francês e almoço com a avó todas as semanas. No mês passado, com o dinheiro que lhe sobrou do Erasmus, foi a São Tomé dar aulas de português. “Vivo obcecado com o voluntariado.”

Em 2014, os “Amigos Improváveis” chegaram a ter excesso de voluntários. “Há muitas pessoas com vergonha e que não reconhecem que precisam de ajuda”, lamenta Gonçalo Barbosa, que em breve vai lá para fora seguir Relações Internacionais. Os amigos consideram que “não há desculpas: todos podemos sair da nossa zona de conforto e encontrar outro tipo de consolo quando damos um pouco de nós aos mais velhos”.

Sónia Calheiros
Visão 24.12.2015