A devastação de um país

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Todos os anos temos visto as chamas, na época ou no defeso, a consumir hectares e hectares de floresta. Nuns anos mais, em outros menos. Sempre demasiado. E muitos de nós observam essa tragédia quase como uma fatalidade. E não pode ser. Independentemente de quem esteja no poder, promete mudar, promete pôr um ponto final nas imagens de devastação. Nada muda. E a catástrofe, enfim, irrompe com muitos mortos, de aldeias perdidas, deste Portugal desordenado.

Talvez, solenemente, venham anunciar um novo plano de combate à desertificação do interior do país. Talvez esbocem mais uma reforma para transformar a gestão da floresta nacional. Ninguém, por certo, dará mais ouvidos a palavras vãs. O que se espera dos responsáveis, perante tamanho drama, é a apresentação de medidas credíveis, exequíveis, capazes de inverter os constantes reacendimentos da fatalidade. E, até agora, fica-se com a sensação de quem está a presenciar uma interminável peça de teatro de cordel. Até ao momento, nada ou quase nada do que é apresentado tem qualquer ligação à realidade, como se tudo acabasse quando as cortinas são fechadas. No mundo real, a vida continua envolta numa terrível normalidade. As 64 vítimas mortais de Pedrógão Grande, os relatos de horror de quem viveu o inferno, terão de inverter a narrativa de quem tem poder, conferido pelo povo, para mudar as coisas.

Custa aceitar, sem incómodo, as palavras, naturalmente bem-intencionadas, do presidente da República. “Não há nem falta de competência, nem falta de capacidade, nem falta de imediata resposta”. Afinal, “o que se fez foi o máximo que se podia fazer”. Marcelo Rebelo de Sousa é incansável a dar ânimo aos portugueses, mas é difícil acreditar que nada pudesse ter sido feito. Como foi possível a morte de 47 cidadãos numa estrada aparentemente esquecida no furacão do fogo, e centenas de pessoas sós a combater as chamas e o medo de ser engolidas por elas?

Pelos que morreram, nada se poderá fazer. Pela frente há a obrigação moral de impedir a “fatalidade”. Temos de exigir um Portugal olhado como um todo; que a formação dos bombeiros, de uma vez por todas, seja assumida como questão fundamental, e que a floresta tenha, por exemplo, a mesma importância do turismo ou da indústria. É tempo de as universidades lançarem o seu saber no terreno, e não apenas ser chamadas em situação de tragédia ou quando é decidido elaborar mais um plano estratégico. Florestas desordenadas, aldeias sem gente continuarão a arder. Em memória das vítimas, temos de impedir a devastação de um país.

Paula Ferreira