A Função Económica das Pensões

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A Perspectiva dos Indivíduos

Na perspectiva dos indivíduos, a função económica daspensões consiste em assegurar a afectação intertemporal do consumo, ou seja, transferirconsumo do período activo para o período da reforma. A obrigação de contribuir para umesquema de pensões reduz o consumo no período de actividade, com o propósito de garantir oconsumo no período da reforma.
Só há duas formas de transferir consumo no tempo:armazenar produção corrente para utilização futura ou trocar a produção corrente por umdireito à produção futura (Barr, 2004). Só a segunda é exequível. Para tal,podem ser seguidos dois métodos: poupando uma parte do salário, o trabalhador pode adquirir activos que irão sertrocados, no período da reforma, por bens produzidos pelas gerações activas; ou obtendo umapromessa (dos filhos, do empregador, do Estado) de atribuição futura (no seuperíodo da reforma) de bens produzidos pela população activa. Os dois modos essenciais deorganizar as pensões aproximam-se destes métodos: a capitalização baseia-se na acumulaçãode activos financeiros e a repartição numa promessa.
A Perspectiva Agregada
a) O custo económico da população reformada naperspectiva macroeconómica.
Na perspectiva da sociedade no seu conjunto, o custoeconómico da população reformada equivale à fracção do rendimento total utilizada para seuconsumo (Thompson, 1998). Os bens e serviços consumidos pela populaçãoreformada são, assim, a medida do seu custo económico.
Os rendimentos gerados no processo produtivo remuneram osfactores de produção, sendo esses rendimentos utilizados, em parte ou na totalidade,para consumir os bens e serviços produzidos no período. Tendo em consideração que osreformados se encontram em situação de inactividade, importa questionar como pode o seuconsumo ser assegurado. Os bens e serviços por estes consumidos são produzidos em períodospróximos daquele em que são consumidos. Contudo, o consumo dos reformados não se podebasear no rendimento de trabalho, tendo de assentar noutros recursos. Por umlado, se os reformados forem detentores de capital, uma parte do seu consumo pode ser resultanteda remuneração do capital. Por outro lado, o seu consumo pode resultar detransferências de recursos realizadas por aqueles que continuam a trabalhar.Este tipo de transferências representa a parte mais expressiva do conjunto dos recursos dos reformados.
As sociedades utilizam combinações diferentes de trêsmecanismos para realizar as transferências de poder de compra da população emidade activa para os reformados: transferências informais intrafamiliares; regimes decontribuições obrigatórias, que incidem sobre o rendimento dos activos, destinando-se a financiaras prestações pagas aos reformados; transacções de activos físicos ou financeiros entre apopulação reformada (vendedora) e a população activa (compradora). Note-se que um sistema decapitalização pode ser visto como mecanismo do último tipo. A população em idade activaconcebe tal mecanismo como um modo de formação de poupança para a reformaquando, de facto, corresponde à aquisição de activos.
Os três mecanismos suscitam uma redução voluntária ouinvoluntária do consumo da população activa (inferior à totalidade dorendimento gerado no processo produtivo) para possibilitar o consumo dos reformados (superior aorespectivo rendimento com origem no processo de produção).
b) Os métodos de organização de direitos sobre o produtofuturo. 
A capitalização é um método de acumulação de activosfinanceiros cujo rendimento permite adquirir bens numa data posterior. As contribuições paraestes esquemas são investidas em activos financeiros, sendo o respectivo retorno creditadono fundo de pensões. As reservas constituídas nos fundos de capitalização são utilizadas parafazer face às responsabilidades, isto é, para efectuar o pagamento das prestações.
Os esquemas de repartição são desenvolvidos pelo Estado etêm natureza legal. Tais esquemas operam transferências instantâneas entretrabalhadores e pensionistas, pois as prestações pagas aos reformados, em cada período, provêmdas contribuições efectuadas pelos trabalhadores no mesmo período. Naperspectiva individual, o direito à pensão baseia-se num contrato implícito: opagamento de cotizações no presente confere o direito ao recebimento deprestações no futuro. Porém, numa perspectiva macroeconómica, o Estado estáapenas a promover transferências correntes de um grupo da população para outro.
O argumento de que os esquemas de capitalização protegemmelhor os indivíduos do que os esquemas de repartição em relação às alteraçõesdemográficas não foi comprovado.
Essa ideia constitui, segundo Barr (2004: 194), umexemplo ilustrativo do sofisma da composição. Na perspectiva individual, umesquema de pensões efectua uma transferência intertemporal de consumo. Porém,tal transferência não é possível à escala social: o consumo dos reformadosprovém sempre, e em última instância, dos bens produzidos pela futura geraçãode trabalhadores. De um ponto de vista agregado, a função económica dosesquemas de pensões consiste em repartir o produto total de um período entretrabalhadores e reformados – o consumo dos primeiros é reduzido para permitir oconsumo dos segundos. A repartição, porém, evidencia de forma inequívoca que aspensões envolvem recursos correntes.
Numa visão macroeconómica, a variável fundamental é oproduto. O objectivo dos sistemas de pensões é permitir aos reformados continuar a consumirno período de inactividade. Como os bens e serviços por estes consumidos são produzidosnesse período pelos activos, o produto futuro é variável essencial, pois dele provirá oconsumo dos reformados futuros. A repartição e a capitalização são apenas mecanismosfinanceiros de organização de direitos sobre o produto futuro.
Maria Clara Murteira
Prof. da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra