“A Sustentabilidade da Segurança Social”, principais conclusões da conferência/debate realizada em Coimbra.

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Promovida pelo Núcleo da APRe! de Coimbra, realizou-se no passado dia 26 de Fevereiro na sede APRe! em Coimbra, Rua Jorge Mendes, Lote 1-nº 5 r/c Esqº, uma conferência/debate sobre “A Sustentabilidade da Segurança Social”, que teve como intervenientes a Profª. Drª. Clara Murteira e o Prof. Dr. Carlos Sá Furtado, num debate moderado por José Trigo.

José Trigo iniciou a sessão apresentando os oradores convidados, e deu o mote para a palestra e para o debate que se lhes seguiria, evidenciando as seguintes questões: 
– Para onde caminha o sistema previdencial de pensões a longo prazo? Será sustentável em meados do século XXI? Como podem a natalidade, demografia, crescimento económico e emprego vir a influenciar estas projecções e que políticas se poderão seguir para melhorar as perspectivas a médio e longo prazo? 
– Os subsistemas de base não contributiva e o papel solidário do Estado Social. 
Tomou a palavra a Professora da FEUC, Doutora Clara Murteira que identificou o tema principal escolhido para esta sua exposição: 
O Mito do determinismo demográfico. 
As nossas crenças podem ser tão fortes quanto falsas e, de tão habituais em nós, podem resistir a qualquer tentativa de conhecimento mais perfeito. 
Os mitos permanecem e ocupam o lugar do pensamento crítico. Um dos mais fortes, neste momento, é o mito do determinismo demográfico, o argumento maior contra a sustentabilidade dos modelos de Segurança Social (SS) que se foram desenvolvendo nas democracias europeias, argumento que pretende criar a convicção de que esses modelos já não têm futuro por haver cada vez menos activos a contribuir para a SS e cada vez mais pessoas (reformados) a usufruir dela. 
Colocado assim o problema, este argumento é tão forte como a percepção de que o sol anda à volta da terra – então não se vê mesmo que é assim? 
A ilusão, mais uma vez, pode colocar-se à frente da realidade e nós, que não queremos ser desconsiderados por não acreditarmos na evidência empírica daquela proporção (reformados/activos), aceitamos o argumento. Criada em nós próprios a convicção de que a Segurança Social não tem futuro, os seus inimigos têm o caminho aberto para a destruir sem resistência sequer. 
Nesta sessão em Coimbra, no dia 26 de Fevereiro, Clara Murteira convidou-nos para o pensamento crítico e desmontou o argumento do determinismo demográfico, tão invocado pelos inimigos do Estado Social e pelos comentadores assoldadados da Comunicação Social.
O Professor Jubilado da FCTUC, Doutor Sá Furtado, associado e assíduo colaborador nos trabalhos da APRe!, escolheu chamar a atenção para uma visão antropológica e histórica do assunto, mostrando como isso pode ajudar a reforçar a importância civilizacional de todo o edifício da Segurança Social, começando por lembrar como a compaixão e a solidariedade estavam já presentes nos comportamentos dos primeiros hominídeos. 
Referiu que as pessoas idosas sempre foram protegidas nas mais diversas civilizações. 
Passou em revista as principais intervenções políticas em Portugal viradas para o apoio social a partir da criação das Misericórdias (ano de 1498), passando pelas primeiras medidas mutualistas em 1834, pelas medidas da 1ª República e do Estado Novo, até chegar ao Sistema Geral criado a partir da Revolução do 25 de Abril, realçando a importância das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social, de 1984 a 2013. 
Apresentou alguns dados informativos quanto ao alinhamento de Portugal com os restantes países da Europa quanto à percentagem do PIB destinado às Pensões (12,5%, em média) e invocou alguns dados estatísticos interessantes quanto à proporção entre o nº de portugueses em idade activa (dos 25 aos 65 anos) e a população dependente (crianças e idosos a partir dos 65 anos). Verificou que em 1960 a proporção era de 1.2 de população activa por cada dependente; mas em 2001 e 2011 a proporção já era de 1,56 de população activa por cada dependente, contrariando por isso, os dados que são frequentemente apresentados por considerarem apenas os idosos – e não toda a população dependente – nos cálculos comparativos ao longo dos anos. 
Terminou com a referência ao argumento enganador de que a pensão média na CGA é muito superior à pensão média do CNP, usado maldosamente sem esclarecer as especificidades dos dois sistemas. Só se pode invocar este argumento se houver vontade de enganar os nossos interlocutores. Ultrapassando o facto de serem mais elevados os valores contributivos na CGA, verificou que os anos de carreira contributiva neste sistema são, em média, 6/7 anos a mais do que no sistema geral da SS. Verificou,
ainda, que o resultado do esforço contributivo na CGA sobre o esforço contributivo no sistema geral da SS é sempre superior ao quociente das pensões médias da CGA e da SS.

Seguiu-se o debate, com perguntas e respostas sobre:

  • O respeito pelos contratos e a necessária defesa da confiança entre as partes; 
  • As pensões do sistema público que não resultam do processo contributivo;
  • A importância do trabalho e de toda a actividade dos idosos; 
  • A preocupação de debater os problemas dos reformados em sintonia com os problemas dos jovens; 
  • A aplicação dos Fundos da SS; 
  • As estratégias da ideologia neoliberal com vista à destruição do Estado Social, especialmente: o gradualismo das medidas; a transferência dos encargos para o poder local sem contrapartidas financeiras; o fim da relação da pensão mínima com o salário mínimo; os mecanismos de ocultação, como a tentativa de criação de mecanismos automáticos de regulação das pensões (ex: a afectação do valor das pensões ao crescimento da economia) como forma de ilibar o poder político de responsabilidades. (Núcleo de Coimbra)

Síntese da intervenção da Professora Clara Murteira, elaborada pela autora.

O Mito do Determinismo Demográfico
Maria Clara Murteira
No início da intervenção sublinhou-se a necessidade de uma discussão pública aberta e informada sobre as reformas das pensões. Na realidade, a desinformação tem caracterizado a generalidade das discussões sobre o tema. A opinião pública encontra-se completamente intoxicada por um conjunto de mitos muito divulgados que importa desmontar. Em particular, a ideia de que os sistemas públicos de pensões serão insustentáveis no futuro contribui para a resignação dos cidadãos perante a suposta necessidade de reforma e induz uma atitude passiva face ao recuo ou ao desmantelamento destes sistemas.
Certamente, o mito mais instalado na opinião pública, divulgado e reproduzido pelos actores políticos e nos media, é o do determinismo demográfico. Afirma-se que os sistemas públicos não são sustentáveis financeiramente, porque as pensões de um número crescente de reformados irão ser financiadas através das contribuições de um número decrescente de activos.
Ao contrário do que afirma o senso comum, facilmente se demonstra que o envelhecimento demográfico não implica forçosamente a elevação do “encargo das pensões” na sociedade. O “encargo das pensões” exprime o valor das pensões garantidas pelos sistemas públicos em percentagem do PIB, sendo medido através do quociente (Despesa em Pensões/PIB). Várias decomposições possíveis deste indicador mostram que a evolução demográfica é apenas um dos factores que o influenciam.
  • A elevação do número de reformados tende a elevar a despesa em pensões, mas isso não significa que seja necessário reduzir a pensão média na economia para manter constante o “encargo das pensões”. O crescimento do PIB (denominador) pode ser suficiente para compensar o crescimento da despesa em pensões (numerador).
  •  Um indicador utilizado com frequência para, supostamente, demonstrar a insustentabilidade das pensões é o rácio de dependência dos idosos (população idosa/população em idade activa). Também o aumento deste indicador não eleva necessariamente o encargo das pensões, pois pode ser compensado pela elevação do quociente entre o PIB e o número de pessoas em idade activa.
  • Por seu turno, o quociente entre o PIB e o número de pessoas em idade activa também deve ser decomposto: nem todas as pessoas em idade activa fazem parte da força de trabalho; nem toda a força de trabalho está empregada e nem toda a população empregada tem emprego a tempo integral e adequado às qualificações.
Conclui-se que só é possível analisar a evolução do “encargo das pensões” numa sociedade a envelhecer se se considerar, em simultâneo, o comportamento das variáveis demográficas e das variáveis económicas (o PIB, o emprego, a produtividade do trabalho). Os efeitos do envelhecimento demográfico podem ser compensados por um bom desempenho da economia. A evolução demográfica, por si só, não determina nada.
Procedeu-se, depois, à comparação da evolução dos valores do PIB real com a evolução do rácio de dependência dos idosos, na economia portuguesa, nos últimos 50 anos. Verificou-se que o crescimento relativo do produto real ultrapassou largamente o crescimento relativo do indicador demográfico, até 2000; porém, esta tendência foi revertida a partir de então.
Efectuou-se, no final, uma breve alusão às causas das actuais dificuldades de financiamento do sistema público de pensões em Portugal. Salientaram-se os efeitos adversos das políticas de austeridade sobre o equilíbrio financeiro da segurança social: os seus efeitos recessivos, o avolumar do desemprego, a redução dos rendimentos de trabalho e o agravamento dos indicadores demográficos (saldo natural e migratório). Teceram-se algumas considerações sobre os riscos associados às reformas das pensões que se perspectivam para o futuro próximo, tendo em conta o cenário de degradação da situação económica do país no quadro das actuais políticas da União Europeia. (Maria Clara Murteira)