À volta da CES

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À VOLTA DA “CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE SOLIDARIEDADE” E DAS ALTERNATIVAS

O professor Jorge Miranda (Público, 12/3/14) trouxe-nos, de novo, a questão da “contribuição extraordinária de solidariedade” (CES) centrando-a, com mestria e oportunidade, em duas perspectivas complementares: a apreciação constitucional e a proposta de alternativas. Sobre a apreciação da CES, não nos cansamos de repetir, em nome da APRe! e tendo em conta as centenas de milhares de cidadãos directamente afectados, argumentos que estão em total consonância com os referidos por Jorge Miranda e por outros constitucionalistas. Sua Excelência o Presidente da República também foi certeiro na justificação que fez para o envio, no ano passado, da legislação sobre a CES para o Tribunal Constitucional. Inexplicavelmente, não o fez este ano. Esperamos, no entanto, que quem tem esse direito constitucional e também quem tem o dever institucional de proteger os cidadãos de prepotências do poder façam, em breve, o pedido de fiscalização sucessivo do OE. Tal como nos escreve Jorge Miranda, também consideramos que “não foi um adequado exercício de ponderação aquele que fez o tribunal em Abril, ao sacrificar as legítimas expectativas e a reserva de confiança dos aposentados, reformados e pensionistas”. Fazemos votos que este assunto volte a ser ponderado. Para além da substância da matéria em causa, não podemos deixar de chamar a atenção para o método repetidamente adoptado pelo Governo: declarar medidas como transitórias para o Tribunal Constitucional e preparar, simultâneamente, as condições ditas de inevitabilidade para as mesmas medidas se tornarem permanentes. Abordamos, agora, a segunda perspectiva que Jorge Miranda nos trouxe: alternativas. O exercício proposto foi o de desenvolver um exemplo concreto de uma alternativa considerada por Jorge Miranda como sendo mais justa. Uma alternativa que poderia satisfazer a pretendida receita suplementar para ajudar as contas públicas. Não nos sentimos qualificados para discutir tecnicamente esta proposta. Como cidadã tenho mesmo muito receio em apoiar propostas de novas contribuições. Na verdade, diz-nos a nossa falta de confiança e a experiência já adquirida que corremos sempre o risco de ver a acumulação de contribuições, taxas e impostos existentes ou propostos. Não sabemos a verdadeira intenção que motivou Jorge Miranda a desenvolver, com pormenor, a dita “contribuição solidária de mobilidade”, a proposta alternativa à CES. É possivel mesmo que esta proposta encerre uma dose elevada de sã ironia. No entanto, seja qual for a motivação, ela é muito oportuna. Com efeito, é bem notória a preocupação permanente do Governo e seus apoiantes em “clamar” por soluções alternativas. Propõem reuniões, participam em encontros com representantes da sociedade civil, dos Sindicatos, desafiam os partidos da oposição a participarem. Pedem com insistência consensos políticos e sociais. Na prática, rejeitam sempre qualquer alteração às medidas impostas. Na prática, todas as alternativas são irrealistas, irresponsáveis e inoportunas. O caso, muito recente, da reacção do Governo ao chamado Documento das 70 individualidades é bem paradigmático. Infelizmente, temos de considerar como pedagogicamente positiva a queda de máscaras enganadoras. Para o Governo, a alternativa bem vinda è só uma: a adesão incondicional. Estamos entendidos. Não queremos ousar dar lições de filosofia política ao Professor Jorge Miranda mas é evidente que as medidas que vão sendo legisladas não são inevitáveis ou que os membros do Governo ou os deputados da maioria sejam incapazes de encontrar alternativas mais justas e equilibradas. Na verdade, sabem o que querem fazer e aplicam uma doutrina, uma visão política, económica, jurídica e social que foi sendo desenvolvida e que foi alastrando nas últimas dezenas de anos. Trata-se de provocar uma mudança com efeitos desejados. Neste sentido, é muito oportuno e esclarecedor o ciclo de palestras que o Prof. João Rodrigues está a realizar, em Lisboa, sob o título “O neoliberalismo não é um slogan-histórias de uma ideia poderosa”. Os cidadãos e os eleitores poderão lamentar que só agora possamos ter acesso a uma análise estruturada dessa “ideia poderosa”. Fazemos votos que ainda seja útil. Uma informação esclarecida permite compreender a razão da opção firme pela CES ou pelo aumento, sem necessidade, do desconto para a ADSE. Do ataque aos serviços do Estado e aos seus funcionários e aposentados. Na verdade, as alternativas só são obstáculos indesejáveis.
Março de 2014
Betâmio de Almeida