Almada

6

DEBATE EM ALMADA 

A crise, a austeridade, evoluções e alternativas
Doutor Francisco Louçã
No passado dia 25 de Fevereiro, o Núcleo de Almada organizou um debate sobre a actualidade política nacional contando com a intervenção de Francisco Louçã. O texto que segue constitui uma síntese da intervenção feita; o texto completo que resulta da gravação e transcrição feitas pelo Núcleo de Almada pode ser acedido através da ligação inserida no final desta página.
***/***
Depois dos protocolares agradecimentos, Francisco Louçã felicitou a APRe! manifestando o seu apreço pela forma como a APRe! tem defendido a dignidade dos aposentados e reiterou a sua disponibilidade para colaborar com a APRe!
Passando ao tema escolhido para o debate – A Crise, Austeridade, Evoluções e Alternativas da Economia Portuguesa – a intervenção desenrolou-se sobre três tópicos: 
1º A natureza da Crise 
Depois de considerar como já estamos familiarizados com as medidas da austeridade, com o discurso sobre elas e a sua ideologia, enunciou os efeitos sociais mais importantes da austeridade: o desemprego, a emigração dos jovens, o corte nos salários e nas pensões, a redução do Serviço Nacional de Saúde. Nenhum deles representa uma consequência indesejada ou um erro de implementação do conjunto de planos de austeridade porque todos estes efeitos sociais são, eles próprios, o objectivo das políticas de austeridade e a demonstração do sucesso das políticas de austeridade! Era aqui que eles queriam chegar! A austeridade nem é uma correcção do défice (como se explicaria que do ano passado para este ano o défice tivesse sido reduzido em menos de mil milhões de euros, meio por cento do produto?) nem uma correcção da dívida pública (como se explicaria que tivesse vindo a crescer e nunca a descer?). 
O objectivo da austeridade é garantir a diminuição dos salários e pensões, uma perda dos rendimentos do trabalho face ao capital, perdas que acarretam imensas consequências para a nossa história e para a nossa civilização. Estas políticas visam a desvalorização do trabalho qualificado levando a que as pessoas se habituem a trabalhar por salários os mais baixos possíveis, enquanto os pensionistas passam a receber reformas cada vez mais desvalorizadas. A gravidade da política aplicada só é perceptível se tivermos perfeita consciência do adversário e perfeita consciência de que estas medidas correspondem a “um projecto” que tem marcado pontos! Eles não se enganaram, as políticas não se descontrolaram, não foram pressionados por outros, fizeram o que queriam, o que premeditaram. Eles consideram que é assim que a sociedade deve viver: sem contratos de trabalho, sem poder de influência dos sindicatos, sem direitos dos trabalhadores, sem pensões estabilizadas, sem garantias públicas de bens comuns – a Saúde, a Escola, a Segurança Social. Trata-se de um “projecto” que tem tido grandes sucessos mas que ainda não está completo. E é por isso que vamos vendo como o “projecto” se vai completando e até tornando mais agressivo. 
Se conjugarmos esta política de austeridade com aquilo que a União Europeia tem vindo a impor, por exemplo, com o Tratado Orçamental Europeu e o seu modelo para o futuro da Europa, percebe-se que é um programa em progresso e que não parará mesmo com a saída da Troika. Com a vigilância que se irá manter, na verdade, continuará tudo igual para um programa de ajustamento em que a segunda metade continuará a agravar a austeridade, por causa da exigência do Tratado Orçamental de que o défice fique na ordem dos 0,5. Este plano não acabará nunca, até impor uma sociedade totalmente parada, submissa, calada, se não houver resposta. Por exemplo, contavam que os reformados se calassem. De facto, nesse ponto enganaram-se. Mas sendo a maioria dos reformados tão pobres, este é um sector necessariamente muito vulnerável, mas que continuará a ser atacado. 
2º As várias alternativas 
Portugal foi atingido, como todos os países, por uma crise especulativa gigantesca da banca que, em grande medida, veio de fora. Entre nós, o caso do BPN é paradigmático: nacionalizado em 2008, representa um buraco cuja dimensão total ainda não conhecemos. A crise começou com a especulação e jogos financeiros mas foi multiplicada pelos especuladores caseiros, no BPN liderados por Dias Loureiro e Oliveira e Costa, entre muitos outros. Aumentado com outros desperdícios do Estado, por exemplo, a compra dos submarinos, os contratos das parcerias público privadas ou os contratos da energia, foi criado um Estado clientelar que favorece o grande negócio. Perante a consequente crise financeira do Estado, foi decidido aumentar os impostos, a pior das soluções, em vez de cortar nas despesas clientelares. 
Entre austeridade ou protecção social, os vários PEC’s do José Sócrates, o acordo com a Troika, o governo do Passos Coelho, todos optaram pela austeridade. Portugal perdeu a grande oportunidade de recusar o acordo com a Troika em 2011 e exigir imediatamente a reestruturação da dívida. Era indispensável então, como agora, ter feito um corte nessa dívida, sacudindo a chantagem financeira, pois a não ser assim, o valor que nós pagamos pela dívida, todos os anos, é tão grande que vai sempre exigir aumento de impostos ou corte nas despesas sociais, nos salários dos funcionários públicos e nas pensões de todos os trabalhadores (tanto da CGA como da Segurança Social). 
Haveria sempre que fazer uma escolha, entre o corte nos salários e nas pensões ou nos juros da dívida. Esse o problema chave da economia portuguesa nesse momento e que se mantém nas presentes circunstâncias. De facto, não há alternativa fácil já que a escolha se equaciona entre a vida das pessoas e a economia no seu conjunto. A alternativa seria a rejeição do Tratado, tomando uma posição de força perante a União Europeia também. Isto não será fácil, pois temos poucos aliados na Europa. As alternativas que eram precisas tornam-se agora mais difíceis (mercê da evolução política na França de Hollande e na Alemanha de Merkel, dada a sua coligação com o PSD da Alemanha, o equivalente do PS).
3º A saída do Euro será, assim, uma alternativa? 
O Euro, concebido para beneficiar a França e a Alemanha há 10 anos atrás, foi sempre muito criticado porque, estando o escudo muito sobrevalorizado em relação ao euro, a sua adopção iria prejudicar as exportações portuguesas. Mas também foi criticado, e bem, por causa da própria estrutura de funcionamento do euro. Em período de crise, o comportamento das estruturas europeias resume-se a agravar a crise prejudicando a vida das pessoas, optando pela austeridade com o aumento do desemprego, facilitando os despedimentos com novas regras. Legisla-se meticulosamente a favor do empobrecimento dos trabalhadores, retirando subsídios de desemprego ou facilitando o despedimento. 
Algum apoio popular que a nova moeda teve ficou a dever-se a vantagens que o Euro de facto trouxe: acabou a inflação (que é perigosa para trabalhadores e ainda mais para os reformados, que não podem renegociar as suas pensões respondendo à inflação) e os juros dos empréstimos das casas baixaram, quando antes, com o escudo, flutuavam e eram mais altos. Mas as vantagens são poucas se refletirmos que, neste contexto, a União Europeia está a fazer da vida económica portuguesa um deserto, porque a Troika quando deixar de existir, vai ser substituída pela presença tutelar da União Europeia que, através do seu Banco e da sua Comissão, imporá vigilância permanente e acentuará as medidas de austeridade para manter esta política perpétua. Foi o próprio chefe da Troika que disse que eles saiam a 17 de Maio, mas que a União Europeia ainda continuaria a vigiar Portugal por mais 10 ou 20 anos. Para eles, uma economia como a portuguesa precisará de estar sempre submetida a um controlo orçamental ou político e económico. 
Neste contexto, se Portugal conseguisse responder ao problema da sua dívida reestruturando-a, conseguiria retirar a pressão sobre os salários e sobre as pensões. E isso implicava um governo muito competente, com um grande apoio popular e com uma política de esquerda muito determinada. Não é possível fazê-lo de outra forma. Ninguém diz que as coisas são simples para lá chegarmos mas é disso que precisamos. Se um governo toma uma decisão de dizer aos credores que vai cortar na dívida e que vai reestruturá-la, os credores podem reagir de uma forma muito negativa. 
O governo de Passos Coelho vai fazer esta semana uma pequeníssima reestruturação da dívida (já fez uma, e vai fazer outra): vai recomprar títulos da dívida que já emitiu, a um preço mais baixo do que os vendeu, o que está certo mas infelizmente a escala em que o governo o está a fazer é insignificante. De facto, deveríamos fazer isso a uma tal escala que retirasse obrigações de pagamento no montante em que essa obrigação estrangula a economia portuguesa. 
Uma reestruturação não pode limitar-se a mil milhões de euros, deveriam ser de sessenta a oitenta mil milhões. Se Portugal fizer esta reestruturação à escala das suas necessidades, é natural que os credores se oponham a essa medida. E aí começa uma negociação difícil em que é preciso dizer-lhes: ou aceitam isto ou não levam nada! Mas chegados aqui, pode ser que a União Europeia pressione Portugal a sair do Euro porque esta é uma atitude de desobediência em relação às regras da União Europeia, mas uma desobediência que Portugal precisa de adoptar. Não pode haver nenhuma forma de Portugal aceitar esta regra do Tratado Orçamental e o controlo de mais 10 ou 20 anos que eles falam para manter os salários baixos e o desemprego elevadíssimo. Portugal já está a sofrer muito com estas medidas. Em 4 anos Portugal perdeu já quase um décimo dos seus trabalhadores, os nossos filhos, gente qualificadíssima. Nós já tivemos uma sangria humana terrível, nos anos 60, mas era sobretudo gente que saía por se opor à guerra colonial e também os camponeses das Beiras e Alentejo, empobrecidos pela desgraça que era a vida económica portuguesa sob a ditadura. Agora é o essencial da capacidade produtiva portuguesa. Portugal não aguenta mais disto. 
Neste contexto, esta pressão, pode empurrar Portugal para a saída do Euro. Alguns economistas, activistas políticos e outras pessoas têm defendido a saída do Euro mais ou menos explicitamente. O tema deve ser tratado com muita atenção e rigor. Por duas razões: por um lado, é que as condições da saída do Euro não são legalmente claras e não estão directamente previstas nos tratados europeus; o que quer dizer que a saída do euro pode significar que tenha que se sair da União Europeia. Os juristas dividem-se sobre esta matéria, mas quase todos têm a opinião de que, a não ser que os tratados fossem corrigidos, para deixar o Euro é preciso deixar a União Europeia. Ora, o estar na União Europeia oferece vantagens, como não ser necessário passaporte, ou termos algumas regras comuns e uma pequena distribuição orçamental. Mas permanecer na União Europeia compensará as muitas desvantagens que acarreta? 
É que Portugal fica muito prejudicado na sua capacidade autónoma de escolher investimentos públicos, de determinar o apoio a determinadas actividades económicas ou a protecção alfandegária, coisas que Portugal não pode fazer por causa das regras europeias. Deveríamos poder tomar decisões sobre nacionalização de sectores importantes, coisa que incomodaria muito a União Europeia. Por exemplo, Portugal vendeu aos chineses a EDP ou a Redes Energéticas Nacionais. Ora, uma medida elementar de um governo de Esquerda, seria a nacionalização desses sectores, retirando-os aos chineses. Isso iria provocar uma tempestade na União Europeia. 
Por outro lado, a saída do Euro tem consequências económicas e por isso o que hoje seria preciso fazer seria um trabalho de preparação, porque se um governo for eleito com o mandato de defender o povo e combater a austeridade e a dívida, ele tem que estar preparado para poder ser obrigado a sair do Euro e portanto tem que estar preparado para amortecer e corrigir os problemas novos que vão surgir nessas circunstâncias. Nenhum governo pode conduzir uma política dessas, sem estar preparado para proteger as pessoas, para evitar que os preços aumentem. No caso dos medicamentos, por exemplo, o Estado tem que intervir para evitar o aumento dos preços dos medicamentos, o que corresponderá a qualquer coisa como quinhentos milhões de euros cada ano. O governo tem que encontrar esse dinheiro sem o ir buscar às pensões ou aos salários; tem que o encontrar através de uma política fiscal, ou de rendimentos, adequada para proteger estas pessoas, as mais vulneráveis. Terá que ser um governo com uma estratégia e um enorme apoio popular. 
Um governo com estas características, que escolher este caminho ou for obrigado a seguir este caminho, tem que estar prevenido para a sua dificuldade e precisará de ter muita força para aguentar a pressão e saber exactamente o que fazer para proteger os depósitos bancários, por exemplo, que não vão estar mais em euros, mas em escudos. Para os proteger, como os preços (alimentos, passes sociais e outros) estão também em escudos, têm que ser protegidos e vigiados, para que não subam. E isto significa um grande controlo e vigilância sobre a actividade bancária. Uma das consequências deste processo, provavelmente inevitável, como medida mais sensata, será nacionalizar todos os bancos, protegendo sempre a vida das pessoas (e as suas poupanças, nos depósitos bancários). Precisamos de uma política que responda ao essencial, que responda à questão da dívida. Para a concretizar será necessário um governo que tenha músculo, apoio popular, determinação, competência e coragem para saber para onde vamos. E deve estar preparado para enfrentar todos os conflitos possíveis, incluindo sermos obrigados a sair do Euro. A saída do Euro tem enormes desvantagens, mas tem a vantagem de podermos passar a financiar a nossa economia, porque volta a haver o Banco de Portugal, emite-se moeda para financiar a nossa economia, permite uma política de investimento e de industrialização. Tem a contrapartida de pressões, como sobre os preços dos medicamentos e outras importações, que vão ficar mais caras, como a gasolina, pois temos que comprar petróleo. Estar preparado para isso é saber exactamente que se têm que juntar as vontades, inteligências e pessoas para medidas duras, a partir do momento em que se rejeita a austeridade. 
É preciso tomar decisões difíceis que impõem diálogo, inteligência, cooperação, juntar muita gente afim de que se consiga atingir um objectivo: proteger pensões, melhorar o bom sistema de segurança social, ter um bom sistema de política industrial, ter uma economia que possa funcionar, ter escolas competentes, ter um bom Serviço Nacional de Saúde. E só por esse caminho de combate Portugal, o país dos trabalhadores e dos reformados que luta contra a especulação financeira, poderá sair do impasse.

LIGAÇÃO AO TEXTO COMPLETO