Carta contra a indignidade dos cortes!

23

Caros Companheiros,
Depois de 45 anos de trabalho (e de descontos!), numa empresa do sector privado, nunca pensei passar pelo que estou a passar, após a minha entrada forçada na reforma, em 2011!

Vi o valor da minha pensão calculado segundo as regras que estavam em vigor e para as quais nem sequer fui ouvido nem achado. Uma dessas regras foi a divisão por 14 de toda a minha carreira contributiva, mesmo daqueles anos em que só se ganhava 12 ou 13 meses por ano! Por isso, com que direito me retiraram, em 2012, dois meses de pensão, a que chamaram, indevidamente, de subsídios?

Vi ainda o valor da minha pensão, segundo as mesmas regras, reduzido para 80% do valor médio calculado, bem como mais uma redução de 3,5% relativo a um factor chamado de sustentabilidade! Então, porquê, depois disso, mais uma redução de outros 3,5% para uma Contribuição Extraordinária chamada CES? De referir que esta CES, ao contrário do IRS, é uma contribuição dirigida apenas a um grupo específico de cidadãos, os reformados!

A propósito desta CES, quero chamar a atenção de todos, mesmo dos juízes do TC, para o seguinte: se a CES foi uma medida alternativa ao chumbo da chamada convergência de pensões, no pressuposto do Governo de que as pensões do sector público seriam mais altas cerca de 10% do que as do sector privado, então porque aplicar esta CES também aos reformados deste sector? Neste caso, então, já não interessa a tal convergência?!

Em IRS, vi mais um corte de outros 3,5% de sobretaxa, para além de outro agravamento (de 11,5 para 14%) motivado pela redução de oito para cinco escalões, para já não falar noutra redução de 3,5% pelo facto de ter antecipado a minha reforma em sete meses, isto ao fim de 45 anos de trabalho!

É curioso verificar que os 3,5% aparecem aqui quatro ou cinco vezes e, com certeza, não será por acaso: é que 3,5% x 14 equivale a meio mês de pensão, o que multiplicado por quatro vai dar aos tais dois meses de “subsídio” que, teoricamente, o actual Governo foi obrigado pelo TC a repor!

Ainda em sede de IRS, para além do agravamento das deduções relativas às despesas com a saúde e a habitação, a dedução específica dos reformados passou de 6.000 € para 4.104 €.

Tem o actual Governo consciência do que é ser-se reformado após 45 anos de trabalho e de descontos? Tem este Governo consciência do que é ter-se trabalhado desde os 15 anos de idade, já para não falar no caso dos meus pais que começaram a trabalhar com 10 e 11 anos?

Tem este Governo consciência que muitos dos actuais reformados, como eu, têm filhos desempregados e netos para criar? É este o apoio propalado em prol do mais que necessário aumento da natalidade?

Vai agora o Governo beneficiar os casais com filhos em detrimento dos casais sem eles, com mais um agravamento médio de 46 € por pessoa, em sede de IRS! Que culpa tem um casal de reformados de já não ter ou não poder ter mais filhos?

Tem ainda consciência este Governo que os actuais reformados, à medida que a sua idade vai avançando, mais necessidade têm de certos apoios e cuidados, no tocante a mobilidade, medicação, saúde, etc.?

O actual Governo, por um lado, diz que é necessário um envelhecimento activo mas, na prática (Lei 11/2014), impede os reformados de darem o seu contributo e partilharem os seus saberes, mesmo a título gratuito, a grande parte da sociedade!… Nem o anterior regime (em 1972) foi tão longe!…

Ainda bem que apareceu a APRe!, uma Associação de aposentados, pensionistas e reformados! Talvez a única Associação de âmbito nacional e 100% transversal, isto é, totalmente independente de qualquer corrente sindical e, muito menos, partidária. Uma Associação cívica, laica, sem fins lucrativos e não corporativista!

É nela que eu quero estar e, com outros, lutar pelos direitos que quase todos os dias nos estão a tirar, sem qualquer pingo de vergonha!

Eu é que sinto vergonha de deixar aos meus filhos e netos um país onde já não há lugar para os mais velhos e, por incrível que pareça, não há lugar também para os mais jovens, os quais são obrigados (e convidados!) a emigrar (mais uma vez, depois de 50 anos!) para poderem sobreviver!

Não foi para isto que foi feito o 25 DE ABRIL e, por isso, no dia da tomada de posse dos novos Corpos Sociais da APRe!, quero dizer (bem alto) a todos os presentes que podem contar comigo para o que eu puder e souber. Quero, também, agradecer a todos aqueles que tiveram a coragem de aceitar o desafio de estarem à frente de uma luta tão difícil, tão nobre porque justa e tão necessária!…

Bem hajam!

V. N. GAIA, 31 de Julho de 2014

O associado nº 260, Aristides Gonçalves da Silva