Cinco causas. Cinco soluções

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A FLORESTA REPRESENTA 3% DO PIB E 10% DAS EXPORTAÇÕES. SE HÁ QUESTÕES ONDE SE JUSTIFICA UM PACTO DE REGIME, ESTA É COM CERTEZA UMA DELAS

Mais uma vez, Portugal arde. É assim há décadas, cíclica e tragicamente. Ações criminosas à parte, os problemas são de fundo, tendo soluções conhecidas e provadas.

1. Ausência de política florestal continuada e omissão governativa grave. A percentagem de floresta que pertence ao Estado é a mais baixa da UE: 2%, em comparação com 55% da Alemanha, ou 30% da Espanha. Mesmo esses 2% são mal geridos. Quanto ao resto da floresta, o Estado tem obrigação de intervir e nada faz.

Solução: Existe uma Estratégia Nacional da Floresta, bem como Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) discutidos e aprovados em 2005. Davam orientações de ordenamento regional e estabeleciam metas precisas. Estas foram suspensas uns anos depois, mas devem ser revistas e restabelecidas. E as câmaras devem recuperar a possibilidade de dar pareceres vinculativos sobre as plantações de acordo com os PROF. Em lugar de deixar os proprietários fazer tudo o que entendam, o importante é incentivar as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), criadas em 2005, que permitem aos proprietários associarem-se e acederem a fundos comunitários para limpeza e conservação das florestas, abrangendo aqueles que dispõem de escassos recursos. Por falta de apoio público, as ZIF não adquiriram a dinâmica prevista. É necessário reanimá-las.

2. Perfil florestal do país. Há uma herança difícil, que remonta ao Estado Novo, com a florestação dos baldios do Centro e Norte sobretudo com pinheiros. A partir dos anos 60, dá-se a expansão de eucalipto. Criaram-se grandes manchas florestais de monoculturas. O eucalipto, hoje a árvore dominante em Portugal, arde como um fósforo e está espalhado por toda a parte, até à orla das cidades, como se viu no Funchal. Uma lei de 2013 tornou ainda mais fácil eucaliptar de forma fragmentária. O atual Governo prometeu revogá-la, mas apenas a suspendeu.

Solução: Investir em povoamentos mistos com espécies mais adequadas e menos combustíveis, retomando as metas dos planos regionais na reflorestação das áreas ardidas. Em Portugal, nem sequer nas áreas protegidas a prevenção contra os incêndios é considerada um investimento. Mais facilmente se compram carros de intervenção rápida do que se faz limpeza de matas e fiscalização. E valia bem a pena. Note-se como as celuloses investem no ordenamento das suas áreas florestais, que ardem muito menos.

3. Desorganização no chamado combate ampliado, o qual tem lugar quando se verificam condições extremas. Não se usam todos os meios que se devia e os que se usam nem sempre estão bem articulados. Há uma impreparação geral para estas situações, cada vez mais frequentes devido às alterações climáticas: temperaturas mais elevadas, menor precipitação, ventos mais fortes. Uma fórmula conhecida é a dos 30+30+30, quando se juntam mais de 30 graus de temperatura, menos de 30% de humidade e uma velocidade do vento superior a 30 km/hora.

Solução: Reativar medidas que já foram anteriormente implementadas com sucesso, mas entretanto desativadas. Por exemplo, os Grupos de Análise e Uso do Fogo, criados em 2005, que aplicavam no inverno a técnica do fogo controlado para reduzir a carga térmica, e no verão realizavam fogos táticos no combate aos incêndios. Há que recuperá-los. A ajuda internacional não tem sido bem organizada. Só vêm aviões à última da hora e sem códigos de atuação compatíveis. Acresce que a sua contratação, extremamente onerosa, é feita através de empresas privadas, prestando-se a esquemas obscuros. Isto quando a Força Aérea dispõe de meios aéreos suscetíveis de adaptação para transportar água.

4. Ausência de cadastro em dois terços do país. Uma etapa prévia e fundamental. Trata-se de uma medida prometida por todos os governos, mas nunca cumprida no Centro e no Norte do país, onde seria mais importante, dada a enorme dispersão da propriedade. Em vastas zonas, muitos donos dos terrenos nem sequer são conhecidos, por questões de heranças e não só. Isto impede qualquer tipo de gestão eficaz, em locais onde o associativismo também não é forte. Em 2005, o Governo de Sócrates anunciou que 700 milhões de euros iam ser aplicados no cadastro rural. Quase nada se chegou a fazer.

Solução: Avançar com o cadastro já. A tarefa poderia ser entregue ao Instituto Geográfico do Exército, que tem autoridade, ciência, pragmatismo e reconhecimento. Um bom exemplo vem de Espanha, onde se fez o chamado ‘cadastro diferido’, que associa as novas tecnologias informáticas ao conhecimento das associações florestais. Quando o dono não está identificado, dá-se um prazo, findo o qual a propriedade passa para o Estado.

5. Falta de prevenção imediata. Como é sabido, tanto a nível de limpeza como de fiscalização e planeamento, as deficiências são enormes. Fala-se muito quando há um grande desastre, mas basta um ano bom para se remeter tudo para segundo plano. Aplicam-se fortunas no combate e praticamente nada na prevenção, a qual seria mais barata, eficaz e duradoura.

Solução: Forte reforço da monitorização e vigilância, dia e noite nas matas, durante as épocas críticas. Incentivos fiscais para criar e manter florestas de usos múltiplos, as quais prestam um importante serviço ambiental. O Fundo Florestal Permanente tem que passar a ser bem aplicado. Ao ICNF cabe apoiar equipas de sapadores florestais para fazer a gestão da biomassa em ligação com as associações. A intenção era constituir 500 equipas mas não chegam a 200, e, destas, várias encontram-se inativas. É urgente reforçá-las e usar a biomassa para produção de energia em vilas e pequenas cidades.

Luísa Schmidt
Expresso 13.08.2016