Cuidar dos netos é bom para os miúdos e os avós – mas não pode ser obrigação

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O convívio com as crianças tem inúmeros pontos positivos para os idosos, mas os avós precisam de tempo e espaço para si e os filhos devem ter isso em conta. Deve existir uma partilha programada e não uma exigência unilateral

Quando a neta nasceu, Natércia tinha 44 anos. Hoje tem 53. Trabalha, gosta de ir ao ginásio e de sair com as amigas, pelo que nem sempre pode ficar com a neta, Lara, quando a filha lhe pede. “Ela já me disse que eu não tinha perfil para ser avó. Mas os avós não têm de ser pais. Eu já criei dois filhos. Gosto muito de estar com a minha neta. Adoro dormir com ela, fazer caminhadas, levá-la à praia, conversar. Mas também gosto de ter o meu sossego.”

Hoje pode dizer “não”, mas durante muito tempo Natércia tinha de ir buscar a neta à escola e dar-lhe banho e jantar, porque a filha estava a trabalhar. Para muitas famílias, o apoio dos avós no dia-a-dia é fundamental, mas, dizem os especialistas em geriatria, é preciso combater a noção de que os avós são obrigados a ter disponibilidade total para os netos.

“A ideia é que não sejam utilizados como pessoas totalmente disponíveis, sem necessidade de vida própria, mas que a sua independência e autonomia sejam respeitadas”, afirma Maria João Quintela, presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP). Se não fosse a ajuda dos avós, prossegue, “muitos casais não conseguiam ter vida profissional”. Mas “a sua disponibilidade tem de ser valorizada e não usada de forma utilitarista”.

A solidariedade entre gerações é boa para todos, salienta Maria João Quintela, mas “não é bom que os avós não possam programar as suas vidas. A disponibilidade dos avós deve ser programada com tempo, deve existir uma partilha e não uma exigência unilateral. Deve repercutir-se em reconhecimento e até em reciprocidade. Nem sempre isso acontece”.

Sofia von Humboldt, psicóloga clínica com investigação na área do envelhecimento, adianta que, muitas vezes, “o que é tido em conta são as necessidades da família mais jovem e não a dos avós. Há pessoas com uma vida profissional ativa depois dos 65 anos e que não têm disponibilidade para estar com os netos. Mas há muito o conceito de que têm de estar disponíveis”.

Se cuidar dos netos for opcional e não uma obrigação “pela necessidade de ajudar os filhos”, o convívio com as crianças tem inúmeros benefícios para os idosos. “Do ponto de vista cognitivo, a relação com pessoas mais novas estimula competências. Por outro lado, há uma integração na vida corrente, participam em atividades”, exemplifica Sofia von Humboldt. Mas também existem desvantagens. “O stress ocupacional na relação frequente com crianças pode ser negativo para a saúde dos mais velhos”, alerta. Além disso, acrescenta, “pode não dar tempo para os idosos exercerem as suas atividades pessoais, sejam elas quais forem. A disponibilidade total e gratuita impede os outros de ter compromissos”. Quando se torna rotina, explica, pode “tirar a alegria de uma relação que pode ser facultativa. Ser avô não é profissão. Não deve ser uma obrigação”.

Portugal é um dos países da Europa onde os avós passam mais tempo com os netos, mas, segundo a psicóloga, o paradigma mudou nas últimas décadas. “As pessoas envelhecem com muito mais saúde e têm mais vontade de fazer coisas. Os idosos têm cada vez menos tempo para cuidar das crianças”, refere Sofia von Humboldt. Maria João Quinta reforça que “lá porque muitas vezes estão reformados, não se pode considerar que os avós são inúteis e só servem para fazer recados”. Além disso, frisa, é preciso ver as suas “capacidades, a condição física, a disponibilidade financeira”.

Impor limites à família

Para que cuidar dos netos não se torne um fardo, a Sociedade Espanhola de Geriatria emitiu recentemente uma série de recomendações, publicadas no El Mundo, dirigidas aos avós. “Façam o que puderem mas não se sobrecarreguem com trabalho. Imponham limites aos vossos netos, filhos, companheiros. Aprendam a dizer não. Desfrutem dos momentos que partilham com as crianças, mas não negligenciem a vossa saúde. Reservem tempo e espaço para vocês. Estabeleçam uma boa comunicação com os vossos filhos.”

Joana Capucho
DN 03.10.2016