Da ignorância

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Nos últimos dias desaguou nas redes sociais uma pequena vaga de preconceitos e argumentos xenófobos contra o acolhimento de refugiados em Portugal. Que são todos potenciais terroristas, que culturalmente não se enquadram no nosso modelo de sociedade, que são inimigos da cristandade e da cruz de Cristo, que vêm – os que vierem – “roubar” os empregos que faltam aos de cá. Santa ignorância. Felizmente, trata-se de uma minoria de gente mal informada e insensível às imagens de desespero que diariamente nos têm entrado casa adentro. Portugal, e ainda bem, não é este país que o Facebook parece mostrar. Ainda assim, e porque não há nada pior para uma sociedade do que a desinformação, importa rechaçar esta argumentação. Aquilo a que estamos a assistir há vários meses é a uma multidão de gente – não são apenas sírios – que desespera à procura de vida, fugindo à morte certa causada pela guerra e pelo extremismo criminoso do autoproclamado Estado Islâmico. Aquilo que não podemos ignorar é que o que está em causa são pessoas como nós. Em Portugal, segundo os dados atualizados do último censo, existem mais de 50 mil muçulmanos. Vivem entre nós sem que se conheçam quaisquer dificuldades de integração. Trabalham, pagam impostos e não pretendem impor a sua fé a ninguém. O que está em causa, portanto, é uma questão de humanidade e de solidariedade. Não perceber isto é ignorar por completo os mais elementares valores da vida em comunidade. Os receios de que entre a multidão desesperada possa haver alguns criminosos oportunistas são legítimos, mas não podem, de maneira alguma, fazer-nos desfocar do essencial. Ficar impávidos a assistir a este “naufrágio da humanidade” faria de nós tão terroristas como aqueles que tememos. Até porque hoje são os sírios e amanhã podemos ser nós. E, nesse momento, a fatura pode ser bem elevada. Porque como escreveu Brecht sobre a ausência de valores e de solidariedade com os desvalidos “Agora estão a levar-me/ Mas já é tarde/ Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo.”

Nuno Saraiva
Opinião DN 09.09.2015