Deem aos refugiados oportunidades para retribuírem

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Estou profundamente preocupado com aqueles que exploram o sofrimento dos refugiados, incitando à xenofobia e promovendo o discurso do ódio

‘Não gostamos de crescer num mundo de guerras, porque é estúpido, e mesmo aqueles que as ‘ganham’ acabam por sofrer”. Esta frase poderosa, mais clara e contundente do que qualquer outra que já ouvi durante encontros com líderes nacionais, veio de uma fonte ainda mais autorizada: crianças que sobreviveram ao conflito, à pobreza, à carência e, até mesmo, às mãos criminosas de traficantes de seres humanos.

Estas palavras faziam parte de um poema declamado por crianças do Centro Tenda di Abramo, pertencente à Comunidade de Sant’Edigio, em Roma, e que é um dos muitos centros de refugiados que visitei nas últimas semanas. As famílias perderam as suas casas, mas sinto-me em casa no meio delas. Estava sentado com um pequeno grupo de pessoas vindas do Médio Oriente, de África e de outras partes, ouvindo-as com atenção, quando notei a presença de um menino. “Que idade tens?”, perguntei-lhe. “Seis”, respondeu orgulhosamente.

Lembrei-me dos tempos em que tinha essa idade e de como fui forçado a fugir da minha casa durante a Guerra da Coreia. Apesar de não ter precisado de fugir para tão longe como fizeram estas crianças – tendo sido poupado a muitos dos tormentos que lhes deixarão marcas para sempre –, recordo bem a confusão e medo sentidos quando abandonava a minha aldeia sob bombardeamento.

Nunca me esquecerei da busca incessante do meu avô para encontrar algo para comermos na montanha onde nos escondemos. Era demasiado novo para compreender expressões tais como “segurança coletiva”, mas quando vi as tropas multinacionais que chegavam sob a bandeira das Nações Unidas soube que não estávamos sozinhos. Quando a ONU nos ofereceu mantimentos que nos salvaram a vida, começou a formar-se em mim um sentido de responsabilidade para retribuir ao mundo que me tinha ajudado. Eu não sou especial. Todos aqueles que conheci na Tenda di Abramo, em Itália, e no Centro Humanitário de Gabcíkovo, na Eslováquia, bem como no Centro de Receção e Integração de Migrantes, em Espanha, estão ansiosos para contribuírem em favor da sociedade.

Natural do Afeganistão e mãe de duas crianças, Sediqa Rahimi, afirmou que se considera “uma agente da paz”. Quando vê os filhos a brincarem felizes, recorda-se do trauma que se vive no seu país. “Quantas crianças acordam no Afeganistão com o som de tiros e bombas?”. Essa é a realidade vivida por milhões de sírios que já sofreram demasiado com uma guerra à qual as partes interessadas e países com influência devem pôr fim urgentemente. Tal como milhões de europeus e de outros povos que reconstruíram as suas vidas após a II Guerra Mundial, os refugiados de hoje querem o mesmo que todas as pessoas: segurança, estabilidade e um futuro melhor para os seus entes queridos.

Estou profundamente preocupado com aqueles que exploram o sofrimento dos refugiados, incitando à xenofobia e promovendo o discurso do ódio. Estas ações dividem comunidades, criam instabilidade e traem os valores e os padrões de respeito pelos direitos humanos da União Europeia. Apelo aos líderes europeus e a todos no mundo inteiro para se juntarem numa resposta coletiva que reflita estes valores e respeite a dignidade dos que fogem de conflitos e da pobreza.

O encerramento de fronteiras, regimes de criminalização e de detenção não vão resolver problema nenhum. Em vez disso, os países devem criar canais mais seguros e legais para os refugiados entrarem, mais oportunidades de reassentamento, melhores opções de integração a nível local e investir nas operações de resgate, que estão cronicamente subfinanciadas. Através de uma reflexão criativa, podemos dar oportunidades a mais refugiados e migrantes tais como, por exemplo, bolsas oferecidas pelo setor privado, vistos humanitários e apoio financeiro dos membros das diásporas.

Esta resposta compassiva é também uma forma eficaz de combater as redes de contrabando e de tráfico que exploram as pessoas desesperadas. As políticas atuais não são obviamente as adequadas. Está na altura da comunidade internacional desenvolver uma resposta global para os fluxos populacionais em massa. Estou a trabalhar para juntar os países numa abordagem mais humana e coordenada. O progresso servirá o interesse comum de todas as Nações.

As crianças que conheci no Centro Tenda di Abramo, em Roma, cantaram sobre como foi a sua viagem por diferentes continentes e terminaram a sua apresentação com a seguinte mensagem para o mundo: “No final das contas, qual é a diferença? Somos todos Humanidade”.

BAN KI-MOON
Secretário-geral da ONU

Opinião Visão 25.11.15