Desigualdade, produtividade e os nossos gestores

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1. Na terça-feira, o DN fazia manchete com a diferença salarial entre os gestores do PSI 20 e os trabalhadores dessas empresas. A propósito disso, a notícia lembrava que a disparidade salarial em Portugal é a quarta maior da União Europeia. Acrescento de minha lavra que os nossos níveis de desigualdade estão nos mesmos patamares em termos europeus dos da diferença salarial.

A desigualdade, de que a disparidade salarial é uma das mães, é um mal endémico da nossa comunidade e sem mostras de melhoras. Gera desconfiança, cria um clima de suspeita, mina a coesão social. Não parece possível uma comunidade caminhar para um objetivo comum unida quando existe uma diferença tão grande de rendimentos. Em que, no fundo, um colega de trabalho leva para casa cinquenta ou cem vezes o que o outro ganha, ou que a sorte de ter nascido privilegiado traga à partida tão enormes vantagens. Se a isso acrescentarmos um funcionamento muito deficiente do elevador social, temos um verdadeiro cocktail explosivo que cedo ou tarde rebentará com um rastilho acendido por alguém, muito provavelmente, com as piores intenções.

A partir daqui é possível ter muitos discursos. Como sou um crente na economia de mercado e na liberdade económica (como sei que não é possível escrever isto sem dizer que é fundamental a regulação, fica dito) não advogo soluções que visem retirar liberdade aos investidores de definir os salários dos gestores que contratam ou administrativamente impor salários que rapidamente destruiriam as empresas e a própria iniciativa privada em geral. Mas não deixa de ser verdade que uma comunidade mais desigual é uma comunidade menos desenvolvida economicamente, menos criativa, menos empreendedora.

Também é bom lembrar que uma sociedade mais igual não pressupõe uma em que os mais capazes, os mais trabalhadores, os que mais querem, não sejam mais bem remunerados ou não tenham espaço para satisfazer as suas ambições. O ponto é a sensação geral de justiça, de respeito pelas proporções, de que todos estão a contribuir para o bem comum.

O que é fundamental compreender é que para mantermos uma sociedade livre, plural, solidária, coesa, não podemos deixar de tomar como prioridade o combate à desigualdade. É para mantermos o Estado de direito, o respeito pelos direitos fundamentais que devemos lutar por maior igualdade – antes que a desigualdade nos vença e a todos os nossos valores. A batalha por mais igualdade não é monopólio da esquerda ou da direita. Só numa sociedade mais justa poderemos ter soluções de direita ou de esquerda, sem que tenhamos de um lado quem quer destruir a democracia, e do outro quem a quer preservar.

2. Voltemos aos salários dos nossos principais gestores.É comum ouvir-se que os trabalhadores não são mais bem remunerados porque são pouco produtivos. De facto, a produtividade é outro dos eternos problemas da nossa economia. A questão é que essa baixa produtividade não parece estar ligada ao desempenho dos trabalhadores portugueses. Nós trabalhamos mais, bem mais, do que a maioria dos nossos parceiros europeus. E, no entanto, a nossa produtividade é baixa.

Não será necessário trazer à colação os comentários feitos por esse mundo fora à qualidade dos trabalhadores portugueses. Basta lembrar que quando trabalham em multinacionais – o melhor exemplo é a AutoEuropa – os níveis de produtividade são tão grandes ou maiores do que os dos seus colegas de outras nacionalidades. Ou seja, aos nossos trabalhadores não lhes falta formação de base – se bem que há sempre espaço para melhorar e que o nível das qualificações ainda esteja abaixo dos países mais desenvolvidos – , o problema será assim dentro das empresas (e do Estado, é bom lembrar).

Só quem não conhece a realidade das empresas portuguesas é que não sabe do pouco investimento em formação no trabalho, em métodos, em conhecimento, em criatividade, em organização. Só quem nunca lidou de perto com o nosso tecido empresarial é que não conhece a deficiente formação e qualificações de demasiados dos nossos gestores e empresários. Se a isso somarmos a pouca capitalização que provoca o limitado investimento em novas técnicas e tecnologias, temos boa parte da resposta para o nosso défice de produtividade.

De difícil compreensão é que os gestores responsáveis pela organização, pelos métodos, pela formação, sejam remunerados de forma tão desigual em relação aos trabalhadores quando são eles os principais responsáveis pela escassa implementação das políticas empresariais que conduzem ao crescimento da produtividade.

E por falar em competência de gestão e salários, terá de ser lembrado que o setor que tinha os salários mais altos para os seus gestores era o bancário. Andámos anos a fio a ouvir que os homens dos bancos eram fantásticos. O resultado está à vista.

Claro que se faz muita demagogia com os quinze mil milhões que já pagámos. Parte resultou de vigarices, outra da crise financeira global, mas grande parte foi fruto de gestão negligente, de erros crassos de gente que era paga – e ainda é – a peso de ouro.

Falta-me a informação dos níveis de produtividade das empresas que a notícia do DN afirma terem uma disparidade enorme salarial entre gestores e trabalhadores. Mas não tenho dúvidas em afirmar que os gestores portugueses, privados e públicos, não são os únicos, mas são certamente dos maiores responsáveis pela baixa produtividade.

Pedro Marques Lopes