É pornográfico

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A Europa está a tornar-se um sítio pouco recomendável. Não há vergonha, não há critérios, não há justiça. Também não haverá sanções a Portugal e a Espanha, em virtude do procedimento por défice excessivo, mas a simples conversa à volta dessa possibilidade é, simplesmente, pornográfica. É claro que ninguém percebe que países que cumpriram as políticas de Bruxelas possam agora ser castigados, por Bruxelas, pelos resultados dessas políticas. Mas o pior é que, não havendo o castigo defendido, o castigo já chegou. Quando os eurocratas ameaçam, os agentes económicos reagem de imediato e desinvestem. Numa Europa cada vez mais liberal, qualquer desvio de pensamento é tratado como delito de opinião. Quem pense em seguir caminho diferente do definido pela Comissão Europeia, ao serviço do directório, é de imediato ameaçado. A um sim, a única alternativa que aceitam é um sim, senhor!

É a mesma Europa que se verga ao sistema financeiro e que aceita, de bom grado, que os países se endividem e aumentem o défice público para salvar todos os bancos. Por aí, qualquer país é soberano para fazer o que a Comissão Europeia manda fazer sem papéis que a comprometam, para se desresponsabilizar quando as coisas correm mal. É pornográfico o valor apresentado nesta semana pelo Banco de Portugal a respeito dos custos que resultaram dos apoios do Estado ao sistema financeiro. No nosso país, estes apoios resultaram num agravamento do défice na ordem de quase 13 mil milhões de euros, entre 2007 e 2015, agravamento mais significativo na dívida com um aumento superior a 20 mil milhões. Nesta Europa pouco recomendável, pelas mesmas razões, o défice agravou-se no mesmo período 21,7% do PIB na Irlanda e 16,8% na Grécia. Não há uma crítica, uma palavra sequer, sobre este problema de finanças públicas que serviu para salvar os investimentos do capital sem rosto. É a mesma Europa que se recusa a permitir aos Estados a salvação dos bancos públicos, exigindo que eles sejam privatizados antes de serem salvos com dinheiros públicos. Não se importando de, em sinal contrário, nacionalizar temporariamente um banco para o limpar e o devolver aos privados algum tempo depois.

É pornográfica a história desta crise que começou, em 2008, com a descoberta de um buraco gigantesco no sistema financeiro global, com a solução encontrada que criou a crise da dívida soberana e com as promessas feitas por Obama e por Merkel de que os bancos não mais poderiam arrasar economias. Oito anos depois, as coisas não estão melhores. Bem pelo contrário, continuamos a pagar, com o dinheiro dos contribuintes, a desvalorização do factor trabalho em favor da valorização de um capital que põe e dispõe numa globalização sem regras.

Paulo Baldaia
Opinião DN 05.06.2016