Empecilho?

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ACERCA DA CONSTITUIÇÃO… E DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


«Mas não basta confiar na Constituição, é preciso agir e lutar com o apoio dela, unindo sempre o maior número, fazendo valer toda a razão que ela confere a esta luta. Há medidas na nova ofensiva que o Governo prepara que violam não só a Constituição da República Portuguesa, violam também múltiplas declarações universalmente consagradas sobre os direitos humanos. Falamos, especialmente, do brutal plano de reduzir retroactivamente as reformas da Função Pública que foram, a seu tempo, fixadas de acordo com a lei então em vigor e pelos contratos assinados entre o Estado e os funcionários. Se um dia o Governo conseguir avançar com esta infâmia, inventará outra para fazer novos roubos nas reformas dos trabalhadores do sector privado. Por isso, é de todos a luta para impedir novos roubos nas reformas, seja qual for o pretexto e o sector especialmente visado. O reforço desta luta é cada vez mais necessário.» (Carlos Brito, jornal “Sénior”)

“CONSTITUIÇÃO VALE MUITO PARA A VIDA DOS PORTUGUESES”

O jornal “Sénior” publicou (último número, de 12 de Setembro) um importante “dossier” de 4 páginas, a que deu o título de “CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA: PROTECTORA OU EMPECILHO?”.

Pela voz de quatro deputados à Assembleia Constituinte, em 76 (António Arnaut, Helena Roseta, Carlos Brito e Jorge Miranda), torna-se patente o que está em causa – todos eles contestam que a nossa Lei Fundamental seja um entrave à governação. Vale a pena ler.
A nossa Constituição, aprovada em 76, já foi entretanto alterada sete vezes (a última, em 2005).
Há quem defenda uma nova revisão (mas careça, por enquanto, de maioria para isso). E há quem considere que este governo, sem legitimidade para tal, esteja a tentar passar por cima dela – o que explica que venha atacando sistematicamente o Tribunal Constitucional, acusando os seus juízes, sobre quem recai a responsabilidade de a fazer valer; no pior dos sentidos: ameaçando o próprio regime, os pilares da democracia em que assenta.
O jornal traz a público as respostas dos quatro ex-deputados a questões que se prendem com as críticas deste governo, nomeadamente de Passos Coelho, de que a Constituição não esteja adaptada ao tempo que se vive e de que de nada valha… aos desempregados.
Deixo-vos alguns passos das respostas dadas por cada um deles: a) sobre estar ou não “desactualizada”; b) sobre o valor dela para a vida dos portugueses:
António Arnaut:
a) «A razão por que a direita insiste na sua revisão é porque quer destruir o Estado Social e abrir caminho para a economia de mercado, pura e dura, precarizando o trabalho, liberalizando os despedimentos e destruindo a Escola Pública e o próprio Serviço Nacional de Saúde, em benefício dos grandes grupos económico-financeiros que mandam no Mundo.»
b) «A Constituição tem protegido os portugueses, evitando que a direita dsetrua ainda mais as conquistas de Abril. Se não dá de comer aos desempregados, como afirmou recentemente o Primeiro-Ministro, numa pose despudorada e rancorosa, ela tem evitado muitas malfeitorias do Governo, como se conclui pelas sucessivas declarações de inconstitucionalidade»
Helena Roseta:
a) «a Constituição da República Portuguesa (…) procurou, nas questões laborais, proteger o elo mais fraco. Algumas revisões (…) foram resultado de uma sistemática tentativa de varrer o 25 de Abril do texto constitucional. Os que consideram a Constituição “desactualizada” são os que nunca se conformaram com a génese da nossa democracia e não se revêem nela. (…) Seja como for, quanto maior o peso da “mão invisível” dos mercados sobre todos nós, mais importantes os direitos que a CRP consagra e que não podemos deixar desmantelar.»
b) «essa afirmação de Passos Coelho é reveladora da hostilidade do actual PSD face aos direitos e garantias constitucionais, que o Governo passa a vida a querer ultrapassar. Felizmente, temos um sistema de verificação da constitucionalidade, através do Tribunal Constitucional, que nos defende do verdadeiro “estado de golpe” em que este Governo nos tem colocado, sempre cioso de passar além da Troika e de castigar com mais sacrifícios os sacrificados de sempre. Só se estranha que perante tanta inconstitucionalidade o Presidente da República, que também não morre de amores pela CRP mas jurou defendê-la, mantenha este governo em funções. Quanto mais tarde forem corridos, mais sofrerá o povo português.»
Carlos Brito:
a) «apesar de ter passado por sete revisões, todas votadas pelo PSD e pelo PS, a matriz original da CRP resistiu em áreas fundamentais. A Constituição Económica foi a mais profundamente mutilada e desmantelada. Mas noutras áreas, como as de direitos, liberdades e garantias (…) mantêm-se na Constituição abundantes disposições de que a direita nunca gostou e que a actual coligação governamental reaccionária abomina. (…) Passos Coelho advogou agora, ao discursar no encerramento da Universidade de Verão do seu partido, em Castelo de Vide, que não é preciso rever a Constituição, o que é preciso é um consenso, que envolva o próprio Tribunal Constitucional, para não a respeitar e se fingir que não existe. Tal é o seu entendimento do Estado de Direito.»
b) «as declarações do Primeiro-Ministro, Passos Coelho, em relação à Constituição e ao Tribunal Constitucional roçam, por vezes, a boçalidade. (…) Fez estas declarações no meio de uam torrente de ataques aos juízes do Tribunal e ao seu Presidente, que ultrapassam tudo aquilo que é tolerável em democracia, com o objectivo de condicioná-los na apreciação de novas leis (…) Tudo indica que o Governo, a coligação de direita e o PSD, em especial, estão lançados numa operação política para anular o Tribunal Constitucional. Esta operação compreende três fases: primeira, a provocação – com a apresentação de leis manifestamente inconstitucionais; segunda, a pressão – com declarações chantagistas de que essas leis se destinam a dar execução a compromissos internacionais do País; terceira, a crucificação – com a responsabilização do Tribunal, se chumbar essas leis, pela adopção de outas ainda mais gravosas para os portugueses. (…) Tem razão Manuel Alegre quando avisa: “Este homem é perigoso”.»
Jorge Miranda:
a) «só vejo duas razões para se acusar de “desactualizada” a Constituição: a ignorância a respeito das sete revisões e da jurisprudência constitucional; o desrespeito pelos princípios do Estado de Direito democrático.»
b) «não! a Constituição vale, e muito, para a vida dos portugueses (…) convencido de que uma larga maioria, incluindo elementos do PDS e do CDS, concorda com isto e que, se houvesse um referendo, votaria a favor.»
Em conclusão: como se pode verificar, todas as respostas vão no mesmo sentido. Não há, em nenhum destes depoimentos, a mínima dúvida acerca do que seja a Lei – nem acerca daquilo que ela defende. Como não a há, de facto, em lado nenhum – no próprio “site” do Governo de Portugal se lê: «A Constituição é a lei suprema do País. Consagra os direitos fundamentais dos cidadãos, os princípios essenciais por que se rege o Estado português e as grandes orientações políticas a que os seus órgãos devem obedecer, estabelecendo também as regras de organização do poder político. (…) Todas as outras leis têm que respeitar a Constituição – se não a respeitarem, são inconstitucionais e, por isso, inválidas.»
Aida Santos