Estimulação cerebral devolve autonomia a 900 doentes

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Assinala-se hoje o Dia Mundial da Doença de Parkinson, uma patologia que afeta cerca de 18 mil portugueses. A colocação de elétrodos no cérebro alivia os sintomas motores

“No dia 12 de setembro de 2016 recomecei uma nova vida. Voltei a fazer coisas simples que tinha deixado de fazer há 8 anos, como comer de garfo e faca ou conduzir.” Foi nesse dia que Vasco Pereira, de 62 anos, foi submetido a uma cirurgia de estimulação cerebral profunda, intervenção que permite reduzir os sintomas motores da doença de Parkinson e as dosagens de medicação. “Estava a viver num lar, mas consegui voltar para casa. Faço uma vida normal”, conta ao DN.

Vasco tinha 45 anos quando lhe foi diagnosticada a doença de Parkinson, uma patologia neurodegenerativa para a qual não há cura nem prevenção, que se caracteriza por tremores, rigidez, lentificação dos movimentos, instabilidade postural. Está também associada a problemas no sono e alterações cognitivas. Descrita há 200 anos pelo médico James Parkinson, é uma doença que afeta cerca de 18 mil pessoas em Portugal. Em casos específicos, os doentes são indicados para fazer a cirurgia de estimulação cerebral profunda, que não trava a progressão da doença, mas ajuda a reduzir os sintomas. De acordo com os dados cedidos ao DN pela empresa de tecnologia médica Medtronic, foram realizadas cerca de 900 intervenções no país desde 2002.

“Grande parte dos sintomas motores deve-se à perda de um neurotransmissor, a dopamina, que causa uma série de alterações no cérebro”, explica ao DN Marcelo Mendonça de Sousa, neurologista no Hospital Egas Moniz (CHLO), uma das seis unidades que realizam a minuciosa cirurgia em Portugal. Desde os anos 50 que há fármacos para a doença, contudo “o grande problema é que são muito eficazes no início do tratamento, mas cerca de cinco anos depois metade dos doentes tem complicações motoras”. A medicação deixa de fazer efeito com muita rapidez e ocorrem discinesias: “Movimentos aberrantes, involuntários, altamente disruptivos para a qualidade de vida do doente.”

Ao fim de dez anos, quase 80% dos doentes passa por isso, o que requer ajustes frequentes da medicação. “Mas nem todos os doentes se conseguem tratar com esses ajustes. É para esse grupo que a cirurgia está recomendada”, explica o cirurgião, ressalvando que a intervenção não pode ser realizada se existirem doenças psiquiátricas ou alterações cognitivas.
No início do tratamento, a medicação tende a funcionar bem. “É a chamada lua-de-mel”, indica Paulo Bugalho, neurologista responsável pela consulta das doenças de movimento no mesmo hospital.

Segunda lua-de-mel
A cirurgia, que será indicada “para cerca de 10% dos doentes” – sobretudo os mais novos -, é “a segunda lua-de-mel”. “É muito eficaz e resulta numa melhoria grande em termos de qualidade de vida”, destaca. A esmagadora maioria dos doentes continua a fazer medicação, mas em doses mais reduzidas.

A operação, que consiste na colocação de dois pequenos elétrodos através de pequenos orifícios no crânio, dura cerca de oito horas e é realizada com anestesia local. Carla Reizinho, neurocirurgiã no Hospital Egas Moniz, explica que, antes de começar, é feita uma TAC, que é fundida com uma ressonância magnética realizada anteriormente, de forma a determinar “exatamente o alvo [núcleo de substância cinzenta a estimular] e a trajetória” para a colocação dos elétrodos.

Com o doente acordado durante a cirurgia, é possível perceber se melhora os tremores, por exemplo, ou se existe algum efeito adverso à medida que é feita a estimulação. Depois de determinado o sítio mais seguro, são “substituídos os elétrodos provisórios pelos definitivos”. Só depois disso é administrada anestesia geral, para fazer a conexão dos elétrodos a uma espécie de pacemaker que é colocado na região abaixo da clavícula. Uma cirurgia que, segundo a especialista, também tem sido usada em casos de epilepsia refratária, dor crónica e perturbação obsessivo-compulsiva e que está em estudo para bulimia, anorexia, Alzheimer. Custa 25 mil euros, mas traduz-se numa redução dos fármacos.

Acompanhamento pré e pós
Depois da cirurgia, a voltagem elétrica do dispositivo vai sendo alterada de forma a obter a melhor resposta. É nessa fase que se encontra Daniela, uma doente de 38 anos, que pediu para não ser identificada, porque receia que a exposição a possa condicionar no futuro. “A minha expectativa é adquirir equilíbrio e mobilidade para manter a minha profissão e ser mãe.” Cerca de dois meses após a cirurgia, Daniela fala numa “evolução brutal”. Diz que não tem movimentos involuntários e dores e que faz “muita coisa que não fazia”. “Tinha picos em que me movimentava excessivamente, outros em que ficava completamente parada.”

Daniela teve os primeiros sintomas há quatro anos, com apenas 34 anos. “A idade é o principal fator de risco, mas a doença pode ser diagnosticada em pessoas mais novas”, afirma o neurologista Marcelo Mendonça de Sousa. As causas continuam desconhecidas. “Sabe-se que em 5% dos casos há uma causa genética e que há a influência de fatores ambientais.”

Em Portugal, um estudo epidemiológico feito em 2014 revelou uma prevalência estimada de 180 casos por cada cem mil habitantes. “Espera-se que o número aumente à medida que a população vai envelhecendo, uma vez que é uma doença relacionada com a idade”, explica Paulo Bugalho, que também é professor na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa.

A doença surge muitas vezes associada a depressões. “Mexe muito com a parte psicológica. Os doentes têm altos e baixos e há muitas alterações no humor”, sublinha Fernando Pereira, responsável pela delegação do Norte da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson. Casado com uma doente que foi submetida à cirurgia, diz que a mulher passou a “andar e a fazer uma vida normal, o que não acontecia”. Rejeitou o primeiro implante, em 2008, mas colocou um novo em 2010. Como em qualquer intervenção cirúrgica, há o risco de hemorragia e infeção, bem como outros associados aos elétrodos, mas os médicos dizem que as complicações são raras.

Joana Capucho