Excedente da ADSE utilizado para baixar défice

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Governo PSD/CDS autorizou pagamento de 29 milhões à Madeira. Tribunal de Contas diz que sustentabilidade está em risco

As receitas geradas com as contribuições para a ADSE “foram e continuam a ser utilizadas para maquilhar as contas públicas” e baixar o défice orçamental, acusa o Tribunal de Contas. Esta prática, “ilegal”, está a ameaçar a sustentabilidade do sistema de saúde criado para os trabalhadores do Estado. E, se tudo continuar igual – a somar à idade cada vez mais elevada dos seus contribuintes -, em menos de dez anos poderá já não existir verbas suficientes para que a ADSE se mantenha.

Em causa está um memorando assinado, em setembro de 2015, pelo governo de Passos Coelho e pelo diretor-geral da ADSE que autorizou a passagem de 29,8 milhões de euros da conta da ADSE para financiar o Serviço Regional de Saúde da Madeira, “descapitalizando” este subsistema público. “Verificou-se a retenção ilegal dos descontos dos quotizados da ADSE por parte de organismos do governo regional da Madeira e a sua utilização indevida para fins de âmbito regional, em prejuízo da sustentabilidade e da solidariedade em que o sistema de proteção da ADSE se baseia”, refere o relatório a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso.

O montante utilizado corresponde a um excedente que a ADSE tinha registado em 2014, depois do aumento das contribuições para 3,5% e a algumas contribuições feitas em 2015. Os auditores dizem que a apropriação foi “indevida” e que aqueles 29 milhões deveriam ter sido pagos pelo orçamento do Ministério da Saúde. É “um exemplo de instrumentalização do rendimento disponível dos trabalhadores e aposentados da Administração Pública pelo Governo da República”.

Isto acontece, porque desde 2010 o subsistema de Saúde do Estado deixou de receber transferências do Orçamento do Estado para pagar cuidados de saúde prestados aos seus beneficiários nos serviços públicos de saúde nacional e regionais. Foi por isso que, por decisão do anterior diretor-geral da ADSE, Carlos Liberato Baptista, o organismo nunca reconheceu qualquer obrigação perante os gastos do serviço regional de saúde da Madeira, desde dezembro de 2009 até este memorando de setembro de 2015.

Não é só. Para além de comprometer “dinheiros da ADSE para fazer face a uma despesa que é do Estado”, o Tribunal de Contas realça que este pagamento “não foi precedido de uma adequada verificação de faturas”. E deixa ainda críticas ao atual ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, quando defendeu que a dívida do sistema de saúde da Madeira já existia e que era responsabilidade da ADSE. “Não se acolhem os argumentos apresentados”, sublinha o organismo liderado por Vítor Caldeiras.

O resultado da auditoria segue agora para o Ministério Público para apurar eventuais responsabilidades financeiras a atribuir. O Tribunal de Contas admite que Hélder Reis, antigo secretário de Estado adjunto e do Orçamento, Manuel Ferreira Teixeira, ex-secretário de Estado da Saúde, bem como o diretor-geral da ADSE, podem vir a ser chamados a repor o valor em falta. É que o pagamento feito com o excedente da ADSE “é suscetível de gerar responsabilidade financeira reintegratória e sancionatória”.

As responsabilidades financeiras podem não ficar por aqui. O Tribunal de Contas detetou ainda uma retenção de contribuições para a ADSE pela Administração Regional de Saúde da Madeira que, inclusivamente, foi defendida por elementos do governo regional e pelo anterior executivo PSD/CDS.

Também esta apropriação é uma nova infração suscetível de gerar responsabilidade reintegratória.
Qual a grande origem da confusão de contas? “A integração da ADSE no Ministério da Saúde, sem outra tutela”, já que “aumenta o risco de instrumentalização” das suas verbas, diz o Tribunal de Contas, que assume ainda que a passagem indevida dos 29 milhões pode ser solucionada pelo próprio governo. “Se revertesse através da dotação orçamental do SNS os montantes desviados ilegalmente da ADSE, eliminando o prejuízo.”

Como forma de garantir que “os excedentes e receitas da ADSE não voltariam a ser utilizados para o pagamento de despesa pública”, o Tribunal de Contas assume que o governo deve colocar em prática novas medidas de proteção das verbas. Sem alterações, a ADSE pode apresentar défices a partir de 2017.

Ana Margarida Pinheiro

DN 15.06.2016