Formar especialistas em Geriatria e concertar cuidados de saúde e resposta social

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Face ao crescente número de pessoas mais velhas, com distintas condições de saúde, residentes nos mais variados locais, as respostas de saúde e sociais têm necessariamente que ser consertadas, enquadradas na realidade local e orientadas pela vontade e necessidade expressas por aqueles que dela directamente beneficiam. Uma maior competência na prestação de cuidados de saúde, médicos e de enfermagem, à população idosa, é não só necessária como urgente.

Envelhecimento e cuidados de saúde

Um pouco por todo o mundo, embora com flagrantes diferenças entre países e continentes, as projecções para as próximas décadas mostram um aumento do grupo etário dos 65 e mais anos, sendo expectável que o maior aumento se verifique na coorte (grupo de pessoas) dos 85 e mais anos. Vários factores contribuíram para este fenómeno: melhores condições laborais, melhoria progressiva dos cuidados de saúde (descoberta dos antibióticos e de quase todos os fármacos hoje utilizados, diminuição da mortalidade materna e infantil e das doenças infeciosas, vacinação generalizada da população), melhores condições de habitabilidade, saneamento básico, segurança, entre outras.

Ao contrário dos grupos etários que o precedem este é constituído por pessoas com um leque diversificado de situações de saúde, com diferentes capacidades quer a nível físico, quer cognitivo ou funcional. Envelhecer não é sinónimo de ser doente, embora essa seja uma visão enviesada comum nos profissionais de saúde. Habituados a prestar cuidados a pessoas doentes, os profissionais de saúde dos diferentes grupos profissionais e especialidades vêem com frequência o idoso como uma pessoa doente, frágil, e frequentemente dependente. Porém, um pouco por todo o mundo, a maioria das pessoas deste grupo etário mantém uma regular actividade física e social ao longo do seu percurso de vida, embora com redução da intensidade da mesma. As políticas de saúde que visem este grupo etário deverão, assim, ter em conta pessoas de idades muito variadas, com distintos enquadramentos sociais e capacidades funcionais.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) refere desde há muito a necessidade de desenvolvimento a nível local de políticas de saúde que apostem na promoção da qualidade de vida das pessoas mais velhas, bem como o papel fundamental desempenhado pelos médicos e enfermeiros de família. Competência, diversidade e abrangência de conhecimentos, acessibilidade, acompanhamento ao longo do tempo e trabalho em rede comunitária são características que neste contexto constituem uma mais-valia na prestação de cuidados a este extracto da população.

O envelhecimento e os contextos locais

As respostas de saúde não podem – e em particular face a um grupo etário tão heterogéneo – ser desenquadradas das respostas comunitárias e sociais. Se a manutenção de um adequado nível de saúde e de actividade física e social, durante o maior número possível de anos, é um objectivo de todos, caberá também a todos (saúde, segurança social, municípios, redes de transportes, estruturas de lazer, etc.) desenvolverem esforços conjuntos nesse sentido. Há, porém, que não esquecer que os próprios idosos não podem ser espectadores alheados destas decisões e que a sua participação deve ser encorajada e apoiada por todos os parceiros comunitários.

A existência de respostas sociais promotoras da saúde, actividade física e bem-estar das pessoas mais velhas tem por isso, e conforme o preconiza a OMS, que ser cada vez mais adaptada aos contextos e culturas locais, e desenvolvida em parceria com os seus beneficiários. E quando, pelo passar dos anos ou pelo aparecimento de situações de doença aguda ou evolução de doença crónica, as pessoas mais velhas se tornam progressivamente mais dependentes da prestação de cuidados de saúde, estes não poderão nunca ser desenquadrados das restantes respostas sociais.

Ao envelhecer, as doenças crónicas (como as demências e as insuficiências de órgão), assim como a dependência tornam-se mais prevalentes e as pessoas mais velhas tornam-se progressiva ou subitamente mais dependentes de terceiros. As respostas a esta situação de dependência da população mais velha são no entanto também elas condicionadas pela evolução das últimas décadas: à baixa natalidade associa-se a existência cada vez mais frequente de famílias mais pequenas e com menor número de filhos. Se a isto associarmos a entrada das mulheres no mercado de trabalho e as migrações de filhos em idade laboral para locais cada vez mais distantes daqueles em que nasceram e onde ainda hoje vivem os seus progenitores, poderemos perceber que um dos condicionalismos da prestação de cuidados de saúde a esta população mais velha é a escassez de cuidadores familiares e a necessidade de encontrar alternativas de qualidade à prestação de cuidados no domicílio.

Por outro lado, viver em meio urbano ou em meio rural condiciona também a prestação de cuidados aos mais velhos. Se no primeiro caso os serviços de saúde são mais variados e estão mais próximos e acessíveis a esta população, nos segundos a maior dificuldade de acesso a cuidados de saúde poderá ser compensada por uma maior facilidade de acesso a cuidadores informais, sem esquecer o papel importante que aqui desempenha a rede de vizinhança. A dicotomia urbano-rural é, para este heterogéneo grupo etário, simultaneamente uma mais-valia e um desafio. Viver com qualidade de vida no local em que sempre se viveu, ou em que se decidiu passar os últimos anos de vida, tem que ser equacionado em termos de respostas de saúde e social a desenvolver a nível local, sistematicamente enquadrado pelos desejos da população mais velha destes beneficiária.

Necessidades de respostas adequadas

O crescente número de pessoas mais velhas, com progressiva deterioração do seu estado de saúde e/ou com cada vez maior dependência, e com um escasso apoio a nível social por parte dos seus descendentes, condiciona num futuro próximo (hoje!) a necessidade de respostas socio-sanitárias adequadas. Neste contexto, e no caso concreto de Portugal, as necessidades de investimento concertado são urgentes, em particular a dois níveis: respostas sociais adaptadas e competência na prestação de cuidados de saúde.

As instituições sociais de apoio às pessoas mais velhas e mais dependentes têm que diversificar a oferta de cuidados a prestar; se a valência de apoio domiciliário tem vindo a crescer o mesmo não se tem verificado ao nível de outras respostas de qualidade. As residências assistidas ou os lares que sejam mais do que depósitos de pessoas sem esperança, que aguardam o final da vida, são limitados (e frequentemente associados a instituições privadas, com preços proibitivos à maioria da população). São urgentemente necessárias estruturas residenciais com um adequado apoio de enfermagem 24 horas por dia, que dê resposta às necessidades de cuidados desta população, evitando o sistemático recurso a serviços de urgência hospitalares que não têm nem a capacidade, nem a competência, nem a vocação para dar resposta a situações de doença crónica e progressiva. Seria importante que os médicos de família tivessem também aqui uma palavra a dizer, chamando a si a continuação da prestação de cuidados aos seus pacientes mais velhos que ingressam nestas instituições.

A formação de especialistas em Geriatria e em Cuidados Paliativos, e a sua integração nos serviços públicos de saúde é também urgente, sabendo-se que a sua intervenção evita o encarniçamento terapêutico e é promotora da qualidade de vida e do bem-estar das pessoas mais velhas. A articulação entre estes especialistas e os médicos e enfermeiros dos lares e residências assistidas, bem como com os médicos de família, nomeadamente ao nível de consultadoria, poderia constituir uma mais-valia na prestação de cuidados de saúde a esta população mais velha, mais frágil e mais dependente. Só um esforço concertado a estes níveis poderá evitar a continuação da prestação de cuidados desagregados e pontuais, quase sempre de resolução de problemas, quando o desejável é a intervenção ao nível da prevenção ou a antecipação destas situações.

Face ao progressivo e rápido envelhecimento da população é urgente e necessário encontrar e promover respostas sociais adequadas às realidades locais e às necessidades das populações, bem como promover cuidados de saúde articulados e prestados por profissionais médicos e de enfermagem competentes.

Cristina Mira Galvão

Assistente de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de Serpa.
Mestre em Gerontologia e em Cuidados Paliativos.

Jornal Médico 20.03.2015