“GATO ESCONDIDO COM RABO DE FORA”: AINDA A TSU DO PROGRAMA MACROECONÓMICO DO PS

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Na entrevista dada por Pedro Nuno Santos (PNS) ao “Público” (Sábado, 2 de Maio) e em que este analisa as propostas apresentadas ao PS, constantes do “estudo macroeconómico”, existem algumas afirmações sobre a TSU e o seu impacto nas pensões futuras que são, no mínimo incompreensíveis e mesmo tecnicamente incorrectas. Se não, vejamos.

Afirma PNS sobre esta questão: “….Quando há uma redução na TSU de 4% para os trabalhadores, isso tem consequências na carreira contributiva desse trabalhador que se reflectem nas pensões futuras…”. E acrescenta PNS mais adiante: “Se vou descontar menos, isso entra nos cálculos da pensão, e ela vai ser afectada”.

Ora, em primeiro lugar, e do nosso ponto de vista, é inadmissível sustentar que, daqui a 30, 40 anos, as pensões serão (ainda) mais baixas para os trabalhadores que contribuem para o sistema previdencial, por razões que se prendem apenas com uma medida imposta por lei agora (a descida da TSU)!

Por outro lado, há naquela afirmação uma incongruência ou um desconhecimento das técnicas do sistema previdencial (contributivo), a não ser que se esteja de facto a escamotear uma solução que terá de ser necessariamente tomada para se obter aquele resultado.

O erro consiste no facto de se pretender relacionar automaticamente a baixa da TSU dos trabalhadores com o valor das pensões futuras. Não tem que ver uma coisa com a outra.

De facto, o sistema previdencial é um sistema de “dupla proporcionalidade”, ou sinalagmático, isto é: o montante das prestações está relacionado com o montante das remunerações sobre as quais incide a taxa contributiva

Ou seja: não é pelo facto de se diminuir a TSU que as prestações, nomeadamente as pensões, descem automaticamente na proporção da redução das contribuições pagas.

De facto, uma coisa é a taxa contributiva (TSU), outra coisa é a base de incidência contributiva.

Esta corresponde às remunerações e outras prestações pagas aos trabalhadores como contrapartida do trabalho prestado – confr. artigo 46º do Código Contributivo.

Exemplifiquemos: se o trabalhador A aufere um salário bruto de 900 euros (o salário médio de um trabalhador por conta de outrem, em 2013), a entidade empregadora retém na fonte, ao mesmo trabalhador, a importância correspondente à sua contribuição para o sistema previdencial (11%), ou seja, 99 euros.

Se a taxa contributiva descer 1%no primeiro ano, o trabalhador vê retida na fonte 10%, ou seja, 90 euros. Há assim, um acréscimo do seu rendimento mensal disponível de 9 euros, e ao fim dos quatro anos (supondo que não houve alterações no seu salário), o rendimento mensal disponível deste trabalhador aumenta apenas 36 euros por mês!

Mas a verdade é que a base de incidência contributiva continua a ser a mesma: os 900 euros.

E é sobre esta base (o salário ou remuneração) que são calculadas todas as prestações do regime contributivo (incluindo as pensões), de acordo com uma fórmula de cálculo que está fixada na lei. O montante do salário constitui a base de cálculo das prestações, e não a maior ou menor taxa contributiva, a qual só tem impacto nas receitas do sistema previdencial, não na sua despesa, presente ou futura.

Por isso, não é verdade que uma descida da TSU acarrete, por si só, uma futura descida do valor das pensões.

Para que isso possa acontecer, exige-se a aplicação de uma outra técnica, que está omissa (ou escamoteada) do referido “Programa”: a aplicação de um plafon”, ou tecto, para as contribuições do sistema previdencial.

Nesta técnica o que é limitado (ou descido) é o montante da remuneração sobre a qual incidem as contribuições: trata-se aqui de diminuir a base de incidência contributiva, e não a taxa contributiva.

Só aplicando esta técnica é que seria possível obter como resultado a descida do valor das pensões futuras.

Ou aplicando outra técnica semelhante: alterando significativamente a fórmula de cálculo das pensões, introduzindo um agravamento no factor de sustentabilidade, ou outro factor penalizante, por exemplo proporcional ao valor da redução da TSU ao longo dos 4 anos (?), o que, de resto, não teria grande impacto no montante das pensões futuras.

Esta proposta apresenta, para além disso, um grave inconveniente: o de reduzir, de imediato, as receitas do sistema previdencial (contributivo), duplamente agravado pelo facto de, na totalidade (e ao fim de um curto prazo de tempo – 4 anos) representar uma diminuição de 8%, o que levaria a que a TSU ficasse reduzida ao valor global de 26,75%.

Ou seja, com esta descida, o valor total da TSU seria inferior à taxa desagregada das prestações, só tendo em conta as de longo prazo: velhice, invalidez e sobrevivência (IVS), cujo custo técnico, de acordo com o último estudo actuarial efectuado e publicado, é de 26,94% (confr. artigo 51º do Código Contributivo).

Por sua vez, António Correia de Campos (ACC) no artigo publicado também no “Público”, de 4 de Maio, não adianta muito sobre estes aspectos, mas no seu escrito defende a medida do “Programa macroeconómico”como sendo “…essencialmente uma medida de crescimento e emprego.”

Ora, isto revela uma “inversão” do que devem ser, na minha opinião, as medidas de crescimento económico e emprego. Estas não podem basear-se numa cómoda utilização do financiamento do sistema previdencial, quer por via da redução acentuada das suas receitas próprias, quer por via da consequente descapitalização do mesmo sistema, em especial do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), e sem compensação adequada, estável e imediata.

Não é o sistema de protecção social que deve “servir” o crescimento económico e o emprego. Pelo contrário: é por via do crescimento económico e da criação de emprego que se torna sustentável o sistema de pensões.

Isto não significa que não possam existir medidas facilitadoras da criação de emprego por parte do sistema previdencial, nomeadamente da descida da TSU das entidades empregadoras (que já existe), mas que poderia ser eventualmente aumentada em um ou dois pontos percentuais como bonificação para criação de emprego estável, desde que compensada por outras fontes de financiamento.

As chamadas “novas fontes de financiamento” na terminologia de ACC, não são, porém, nem suficientes nem estáveis e prolongadas: umas são estimáveis, outras fugidias…

De facto, nenhuma das medidas propostas para equilibrar as receitas desta descida da TSU são, elas próprias, sustentáveis a longo prazo: no caso da reversão do IRC esta depende precisamente do grau desenvolvimento económico do País, sendo certo que é uma variável muito dependente do entorno económico global.

E não haverá certamente tantas heranças milionárias que compensem, minimamente, a perda de receitas do sistema previdencial, para além de ser fácil “contornar” este imposto…

Tanto assim é que ACC refere no mesmo artigo uma pretensa “neutralidade dos equilíbrios intergeracionais”, que se traduziria para os mais jovens numa espécie de slogan: “…pague menos agora, em troca de uma menor pensão futura…”

Através daquilo que ACC afirma ser colocar “mais dinheiro fresco no bolso dos trabalhadores e das empresas”?

Ora aqui me parece estar um pouco aquele gato escondido com rabo de fora: então como vão fazer o corte das pensões futuras??

Só o dizendo claramente no programa do PS é que saberemos se os jovens vão a correr dizer que sim a esta proposta de “negócio”.

Parece-me que nem o “Vem” do PSD, nem esta “Troca” do PS (no meu entender pouco ética), vão fazer com que os jovens aceitem ficar por aqui e “trocar” as suas futuras pensões por um mísero “prato de lentilhas”, porque o que meterão ao bolso não vai dar para “poupar para a velhice”…

Apesar de ACC jurar que “a medida não se traduz em plafonamento das contribuições e das pensões”, não explica como é que se mantém a sustentabilidade financeira do sistema, em especial o reforço do financiamento do FEFSS.

Mas ACC confessa mais adiante, no mesmo artigo, que a reforma da Segurança Social “pode ser feita por reais instrumentos… como seja a transformação do sistema de pay as you go num sistema de capitalização nocional ou virtual…”

Ora aqui está, afinal, o gato inteiro: a transformação de um sistema de repartição (“pay as you go”) num sistema de capitalização (de opções, futuros ou outros instrumentos derivados), ou seja: transformação da protecção social pública, de solidariedade, numa protecção individual, em capitalização, enfim num mero “produto financeiro“, para engordar o mercado financeiro e a especulação que a gere!

Quem vier depois, que feche a porta… Mas então, em que ficamos?

Através de que “real instrumento” se faz esta miraculosa transformação, caro ACC?

Através do “plafonamento contributivo”, como é óbvio!

Tais propostas não constituem, verdadeiramente, uma aplicação séria do princípio da diversificação das fontes de financiamento da segurança social, antes abrem a porta para o “Modelo” do Banco Mundial, igualmente “recomendado” pela OCDE e pelo FMI quando falam de reforma do sistema de pensões.

Para nós, a questão não está em saber se o sistema de segurança social deve ser de repartição ou de capitalização, porque estes esquemas são “diferentes modos de organizar os direitos sobre o “produto futuro”, sendo que no esquema de capitalização as pensões passam a ter uma “lógica patrimonial”, e não de “salário diferido”(*)

E este modelo, de alguma maneira projectado como reforma do sistema de pensões, não representa uma garantia da segurança do rendimento das reformas no futuro.

Questões a que o PS deve responder de forma clara no seu Programa.

António Lopes Dias
Associado APRe! nº1970

(*) Ver, quanto a estas questões, Maria Clara Murteira, in “A Economia das Pensões”, “Biblioteca Mínima”, 2011