Guerra ao cidadão inocente

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Sem inteligência na resposta ao terrorismo, corremos o risco de assistirmos a anos negros.

O ataque terrorista de Nice choca pelo grau de violência e pela simplicidade: um camião como arma de morte! Como se combate a insanidade? Como se combate a arrogância misturada com a ausência total de valores e princípios?

Quem pela guerra passou tem uma ligeira certeza. Apesar de todos os crimes que lá se cometem, o confronto é entre exércitos munidos de uma instrução, de um código de conduta, provavelmente de um código de honra e, em princípio, respeitadores das próprias leis da guerra.

O terrorismo não respeita nada disto. Nunca o fez. É caótico na acção para ser eficaz. Mas este novo terrorismo faz olhar com alguma complacência (não se confundam com a palavra – não é uma cedência, é antes uma estupefacção com o presente) para o terrorismo que abalou a Europa há algumas décadas: as Brigadas Vermelhas, a ETA, o IRA, as Baader Meinhof. Estes eram grupos terroristas europeus que normalmente não atacavam indiscriminadamente o cidadão – atacavam o responsável político, o militar, o chefe da polícia, o juiz. Estava tudo errado na mesma, mas havia uma lógica, um intuito. Hoje não há lógica, nem intuito a não ser o de atingir o cidadão o comum – o inocente total.

Ou se calhar há. Não nos podemos enganar, iludir. O que se pretende é destruir a democracia. Não é só provocar o caos – é destruir o Estado democrático através do seu elemento mais frágil: o cidadão inocente.

Sem inteligência na resposta, corremos o risco de assistirmos a anos negros. Se a demagogia, se os políticos que desejam o poder a qualquer custo assumirem a liderança do discurso, se a propaganda barata com assistência garantida se impuser é a democracia que vai estar em causa. E, ironia suprema, tudo vai acontecer através de eleições – é o que a História nos ensina.

Quanto aos terroristas há várias acções que têm que ser tomadas em simultâneo: no plano da prevenção, da investigação, das informações e da justiça. O que se exige é acção determinada, sem hesitações.

Da minha juventude há uma foto que não esqueço e que entusiasmava quem tinha toda a vida pela frente: François Mitterrand e Helmut Kohl, a França e a Alemanha, juntos e de mão dadas em Verdun, num memorial aos soldados franceses que morreram na I Guerra Mundial.

Esta foto é tão inspiradora hoje como há 32 anos, na necessidade de percebermos os momentos em que a História nos interpela. É necessário que esta foto inspire os homens do poder e o cidadão inocente, hoje o alvo do inimigo: há sempre um caminho, que não obrigatoriamente o caminho do caos e da demagogia. Que esta foto, que em 1984 venceu a desconfiança e simbolizou a paz e o desejo da sua perenidade, ilumine o discernimento do pensamento na Europa, já que os terroristas jamais perceberão o sentido de uma foto.

Pedro Leal