Iratxe García Pérez: “As pessoas dizem-me ‘Obrigado!'”

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A eurodeputada socialista espanhola Iratxe García Pérez foi notícia um pouco por toda a Europa na 5.ª feira, 2, depois de responder a uma intervenção do deputado polaco Janusz Korwin-Mikke, que, numa sessão sobre igualdade de género, afirmou que as mulheres “naturalmente devem ganhar menos do que os homens porque são mais pequenas, mais frágeis e menos inteligentes”.

Veja o vídeo.

Iratxe García Pérez, 42 anos, falou com a SÁBADO ao telefone.

Que sanção espera ao deputado polaco?
O que gostaria é que não se voltasse a escutar no Parlamento Europeu afirmações como aquelas, mas isso não está nas minhas mãos, por isso espero que tenha a sanção máxima que está no regulamento, que penso que são três meses. Espere só um segundo… [foi consultar junto da sua assistente] bom, o regulamento estabelece como suspensão máximo 30 dias.

Acha pouco, deduzo?
Sim, sim.

Como é possível em 2017 na Europa alguém que tem um pensamento quase obscurantista ser eleito deputado?
O problema não é eleger um deputado, o problema é que quem o elegeu partilha estas ideias. Como haver no Parlamento representantes destas ideias e como podem ter apoio. É o que me custa entender na Europa moderna do século XXI.

Mas não é uma coisa nova, sempre existiu.
Sim, estes comportamentos machistas sempre existiram, mas a verdade é que nos últimos tempos estamos a assistir com preocupação como tem aumentado o apoio a forças de extrema direita com pensamentos ideológicos assim.

Janusz Korwin-Mikke tem um longo historial de polémicas, incluindo saudações nazis e declarações xenófobas

Na resposta que deu ao eurodeputado polaco, queria dizer mais do que disse?
Sim, claro, muito mais. Mas penso que era preciso uma contestação contundente e respeitosa, o que ele não teve com todas as mulheres. Não nos respeitou. Eu queria passar a minha mensagem de forma educada, sem faltar ao respeito. Podia ter dito muito mais coisas. Que hoje na Europa o nível de qualificação académica das mulheres é maior do que o dos homens, que as mulheres passam a vida toda a trabalhar dentro e fora de casa, e é uma injustiça, em pleno século XXI, estarmos a ter salários menores do que os homens a fazer o mesmo trabalho.

Dezasseis por cento menos.
Sim. Um dos valores que sustentam a União Europeia é a igualdade entre homens e mulheres. Se conseguimos construir uma Europa que é imperfeita e tem as suas falhas mas é uma Europa avançada nesses valores da igualdade, não podemos agora ceder perante comportamentos destes.

Sentiu tristeza ou fúria?
Fúria! Bom, tristeza, sou consciente de que há pessoas que pensam assim, e isso entristece-me, mas aborrece-me que utilizem o Parlamento Europeu como altifalante dessas ideias, isso provoca-me fúria.

O Parlamento Europeu trata todos os funcionários e deputados de forma equitativa?
Sim, nas normas, sim. Mas vemos também como os cargos de mais alta responsabilidade estão ocupados maioritariamente por homens. É o que chamamos ‘tecto de cristal’, que faz com que as mulheres tenham mais dificuldade de aceder aos espaços onde se tomam as decisões.

E na Comissão Europeia?
Igualmente. Recordo que quando se iniciou esta legislatura a proposta inicial de comissários tinha três mulheres em 28, depois tiveram de aumentar para sete. Não se pode admitir que numa Comissão Europeia, que é o órgão executivo, as mulheres estejam representadas em 12 por cento. Se somos metade da população temos de estar representadas da mesma forma.

Angela Merkel e Theresa May

Na sua opinião, como mulher e política, Angela Merkel ou Theresa May trouxeram alguma coisa de novo à política por serem mulheres?
Penso que são duas referências a nível europeu, com quem não partilho muitos pensamentos ideológicos, e não acho que tragam algo de novo. Até porque Margaret Thatcher, por exemplo, que também foi Primeira-Ministra do Reino Unido há mais de duas décadas, não significou nada de novo.

E Marine Le Pen? Estando a disputar as eleições francesas é mais um avanço, um feito, das mulheres?
O avanço nos direitos das mulheres não significa que tudo o que exista ou seja feito por uma mulher seja positivo. Não significa que as feministas estão de acordo com todas as mulheres. Estamos de acordo que todas as mulheres tenham todas as oportunidades para aceder a cargos de responsabilidade.

Iratxe García Pérez é eurodeputada pelo PSOE

Está na política desde os 21 anos. Sendo mulher e com uma longa carreira na política, isso prejudicou a sua vida familiar?
Condiciona o desenvolvimento da vida pessoal. Faço muitos esforços, como muitas mães trabalhadoras noutras profissões. Não sou nenhuma excepção.

Na sua carreira política cruzou-se com muitos homens com este comportamento machista do deputado polaco?
Que o verbalizem dessa maneira, não. Que tenham alguns comportamentos machistas, sim, porque não vivemos numa sociedade igualitária.

São comportamentos mais subtis?
Sim.

Por exemplo?
Questões de percepção. De que nas questões importantes ouve-se mais os homens do que as mulheres. Não é fácil explicar. Mas sente-se. Uma mulher sente.

Até quanto mais tempo fará sentido haver um Dia Internacional da Mulher?
Até que não haja nenhum deputado polaco como este.

Que legislação se está a preparar no Parlamento Europeu sobre a igualdade e violência de género?
Esta semana vamos ter um seminário com parlamentares de toda a União Europeia sobre o fortalecimento das mulheres, que é algo essencial, que as mulheres tenham independência económica, igualdade no mercado de trabalho, conciliação entre a vida laboral e familiar. E há uma questão importante, que é a luta contra a violência de género, exigir uma legislação europeia para lutar contra a maior flagelo social que existe neste momento. Na Europa e no mundo há mulheres que estão hoje a perder a vida só por serem mulheres, porque há homens que as consideram sua propriedade. São matérias em que temos de avançar.

O que podem fazer os estados? Legislação mais dura?
Sim, mas também vontade política para a aplicar. No caso de Espanha, temos uma boa lei mas falta dotação financeira para que seja efectiva.

O que lhe disseram as pessoas nos bastidores e na rua depois do diálogo com o deputado polaco?
“Obrigado!”, “obrigado!”, “eu diria o mesmo”. É reconfortante pensar que há tanta gente que sente que as mulheres foram defendidas.

Marco Alves
Sábado 08.03.2017