Isto não é um país, é um velório!

16
Manda a tradição secular, ainda sobrevivente em parte do nosso universo rural, que se coloquem flores na soleira da porta para que o compasso possa entrar e anunciar a boa nova. Por todo o mundo cristão, a Páscoa é a principal e mais antiga celebração do ano litúrgico, a festa que “atualiza” o mistério maior da fé dos crentes, que simboliza a passagem da morte para a vida: Aleluia!

Crentes ou não crentes, bem precisamos de boas novas.

Portugal vive, há sete anos, a mais longa e magoada Quaresma da nossa geração. A chaga do desemprego – que por sua vez gera pobreza, miséria, exclusão e insegurança – é o espinho mais doloroso deste calvário.

Mais de um milhão de portugueses aptos a trabalhar continuam sem emprego, logo sem salário. É um em cada cinco e, pior ainda, um em cada três entre os mais novos. E todos temos casos: na família, entre os amigos, na vizinhança.

Lembrarão alguns que o problema, mais do que português, é europeu. Quase 25 milhões de desempregados, sobretudo no Sul, dão já o rosto à agonia de uma esperança que os principais líderes europeus, os nossos incluídos, teimam em negar-lhes: uma União Europeia fundada na solidariedade e na coesão social.

Razões outras, mas também fortes, tornaram sombrios e enlutados os nossos últimos dias. Foram-se-nos um poeta, um economista, um cineasta – três portugueses entre os maiores nas suas artes e saberes. Por entre a multiplicação de obituários pesarosos, lemos em cartaz que “isto não é um país, é um velório”. Mas há, nas mortes de Herberto Helder, José Silva Lopes e Manoel de Oliveira, o ficar da memória que contraria aquela ironia e nos traz sinais de esperança. É que, doravante, há seguramente mais portugueses a saber quem eles foram e porque foram grandes.

De Oliveira ainda ficámos a saber que, confrontado por João Botelho sobre como se pode fazer cinema com tão poucos recursos, respondeu-lhe o mestre: “Se não há dinheiro para a carruagem, filma-se só a roda. Mas filme-se bem a roda!”

E porque hoje é domingo, e de Páscoa, é tempo de procurarmos vencer esta dormência emocional e darmos ouvidos e força às palavras e aos gestos de esperança que, decerto, encontramos nos nossos caminhos. Um povo que vem de tão longa Quaresma não pode, nem deve, fechar portas ao compasso anunciador.

Afonso Camões
Opinião JN 05.04.2015