KOTAS ARE COOL

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Os angolanos chamam Kota (da língua Kimbundu) àqueles que merecem respeito por serem mais velhos. Cá, kota é sinónimo de velho, bota de elástico ou antiquado. Um reforço da ideia de que os velhos estão desatualizados, são um embaraço e não servem mais.

Em 2011, escrevi um artigo de reflexão acerca de uma tendência que dava os primeiros passos no mundo ocidental. Foram a campanha da Lanvin para a H&M e o projeto Sicilia Fashion Village que serviram de motor de arranque para elaborar esse artigo, mas, relendo-o agora, seis anos depois, percebo que ele está atual e até faz mais sentido neste momento. Na altura, as gerações séniores eram matéria-prima rara em conteúdos de reflexão, jornalísticos ou de blogues em Portugal. Mas hoje é diferente. Depois de ter lido uma reportagem sobre o projeto lisboeta A Avó Veio Trabalhar a propósito do recente Dia Mundial dos Avós, projeto que acompanho de perto e muito aprecio, decidi atualizar ligeiramente o meu artigo e dá-lo a conhecer de novo a uma audiência agora mais sensibilizada. O que vão ler de seguida não foge muito do original. Também partilho o vídeo Sicilia Fashion Village que publiquei na altura. Gosto particularmente dele por ser divertido e ter participantes masculinos na sua maioria, sicilianos old school vestidos à maneira para o filme, que fazem lembrar certos portugueses mais velhos que encontramos pelo país fora. Dá gosto ver.

Os angolanos chamam Kota (da língua Kimbundu) àqueles que merecem respeito por serem mais velhos. Simplesmente por serem mais velhos do que nós. Não necessariamente velhos de idade, mas alguém mais velho. Usa-se kota para tratar um amigo mais velho, um tio, o senhor que deixamos passar à frente na fila do supermercado, uma avó. No caso dos avós, são entendidos como os avós da sociedade. Uma avó é a avó de todos, é aquela que sabe, aquela que traz sabedoria. Neste contexto, kota é o homem ou a mulher idoso que traz unicidade e conhecimento às famílias e à comunidade pela sua experiência de vida. Noto que em Portugal, na última década em particular, o respeito pelo conhecimento e experiência dos mais velhos desvaneceu ou morreu. O velho passou a ser descartável como uma bisnaga de pasta dentífrica que chegou ao fim, vive isolado da comunidade com poucas ou nenhumas funções úteis. Contudo, curiosamente, a palavra Kota entrou no calão de Portugal, embora adquirindo outro significado. Cá, kota é sinónimo de velho, bota de elástico ou antiquado. Um reforço da ideia de que os velhos estão desatualizados, são um embaraço e não servem mais.Hoje, com a mudança dos paradigmas social e de mercado, e a esperança média de vida a roçar os 80 anos de idade, a visão sobre o papel dos mais velhos na sociedade parece estar a mudar para melhor. Representam poder de compra e um nicho de mercado que a seu tempo será mainstream à medida que as sociedades vão ficando inevitavelmente envelhecidas, como é o caso da nossa. Neste campo a moda começa por dar o seu contributo ao repescar antigas manequins para campanhas sofisticadas e desfiles onde surgem como figuras de relevo. Em 2011 verifica-se, por exemplo, o regresso de Veruschka com 71 anos bem firmes e assumidos. Famosa nas passarelas e no cinema na década de 1960 (irão lembrar-se dela no filme «Blow Up» de Antonioni), é convidada a regressar aos desfiles de moda e fê-lo com uma confiança visível. Assim como, na mesma altura, fez a campanha Lanvin para H&M ao convidar uma manequim sénior para o filme promocional. De cabelo branco armado e sofisticada, aquela senhora é a prova que a experiência e a auto confiança são premissas estáveis na equação de uma vida saudável. Não há botox que remende a falta de auto confiança. E em 2010 o projeto italiano Sicilia Fashion Village leva esta tendência mais longe promovendo a sua população sénior como a mais bem vestida do mundo. Nesta divertida campanha os kotas do filme usam modelos vintage ou modernos num enquadramento atual.

Veruschka
Andreas Rentz/ Getty Images

Creio que estamos diante do desafio de olharmos para os mais velhos e idosos do mundo com outros olhos. Ou melhor, olharmos para nós próprios como seres plenos e de valor até ao dia em que vamos desta para melhor. Ser kota pode ser cool desde que o estado de espírito o permita, o mercado, as políticas governamentais e a mentalidade da sociedade superem o preconceito da idade passando a vê-la um ativo e sinónimo de poder. Um dia, quando for velha, vou querer desfilar em passarelas ou andar de patins caso me apeteça sem que isto represente vergonha social ou um embaraço. Vejo hoje, com regularidade, homens e mulheres com 40 anos ou mais a andarem de skate tranquilamente. Há vinte anos isto seria inaceitável. Alguém de quarenta anos estaria a preparar-se para entrar na reforma, a sua vida seria conformada e aborrecida. Felizmente os 40 de hoje são os novos 30, e espero que em breve os 70 sejam os novos 50 ou 40. O projeto A Avó Veio Trabalhar é a prova de que ideias honestas e bem estruturadas transformam pessoas mais velhas ou idosos nos jovens de mentalidade que afinal sempre foram. Mas se os deixam arrumados num canto porque a sociedade não sabe o que fazer com eles, qualquer réstia de juventude irá definhar. Os preconceitos não levam ninguém a bons lugares, mas sim à manutenção de conservadorismos e modos de estar bafientos. Larguemos a naftalina mental de uma vez por todas e bebamos nos bons exemplos porque eles não escasseiam. A mudança começa na cabeça, e desenvolve-se na sociedade através de boas políticas.

Carla Isidoro
Ler mais em: Visão 20.07.2017