Luz ao fundo do túnel

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Ao longo de cinco anos, os dois principais partidos gregos – primeiro, os socialistas do Pasok e, depois, os conservadores da Nova Democracia – executaram obedientemente todas as políticas impostas pela troika, desmantelaram os serviços públicos e os instrumentos de proteção social mas foram incapazes de reformar um Estado arcaico que continuou dominado pelo clientelismo, a corrupção e a evasão fiscal. Em contrapartida, arruinaram a economia grega e criaram uma verdadeira catástrofe social e humanitária que multiplicou o desemprego e condenou os gregos à miséria generalizada, sem conseguir controlar o crescimento da dívida soberana. Ao longo destes cinco anos, porém, a Europa da austeridade aplaudiu os sucessivos cortes nas despesas públicas, nos salários e nas pensões, e a troco de alguns progressos no equilíbrio orçamental, continuou a “encher os cofres” sem fundo do Governo grego.

Em desespero, os cidadãos arrasaram os partidos do “arco da governação”, incapazes de oferecer uma real alternativa política, e provocaram o terramoto que se traduziu no resultado das últimas eleições. Os campeões da austeridade tentaram primeiro condicionar o voto dos eleitores interferindo abusivamente nos assuntos internos de um estado soberano e, depois de verificarem o insucesso, esperaram que o novo Governo se dispusesse a atraiçoar a confiança dos seus eleitores e se resignasse à sua vontade. Finalmente, alguma luz se fez esta semana, e a possibilidade de um acordo parece ganhar verosimilhança.

De entre os campeões da austeridade destacou-se, inesperadamente, o Governo português, habitualmente discreto e omisso acerca das grandes questões europeias mas que agora não se limitou a aguardar pacientemente que as negociações com a Grécia redundassem no fracasso que desejava. Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e Aníbal Cavaco Silva, numa demonstração de grosseria e crassa irresponsabilidade, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que os gregos fossem expulsos da união monetária. Acusaram os gregos de “chantagem” e de tentarem fugir ao cumprimento dos seus compromissos. Chamaram-lhes “infantis” e rotularam as suas propostas como “histórias para crianças”. Garantiram que o seu Governo estava preparado e com os “cofres cheios” (embora só até ao fim deste ano…) para enfrentar eventuais percalços provocados pela almejada “saída” da Grécia. Logo que os resultados das eleições gregas confirmaram a derrota dos partidos da austeridade, Maria Luís Albuquerque foi a Berlim para, “ao colo” do ministro das Finanças alemão, asseverar ao Mundo que nada iria mudar nas políticas europeias e que o novo Governo grego não tinha alternativa senão render-se e resignar-se, tal como faz e apregoa o Governo português.

O fantasma da “crise grega” foi intensamente manipulado pela coligação PSD/CDS com intuitos puramente eleitoralistas, como justificação das políticas de austeridade que aplicaram com entusiasmo ao longo destes quatro anos e para as quais afiançavam não existir alternativa! Prosseguiram na estratégia do medo, na expectativa de que o ansiado “desastre grego” providencialmente os poupasse à prestação de contas a que serão obrigados em breve, nas eleições legislativas de outubro. Tentaram, a todo o custo, negar o óbvio: que “a crise grega” é a mais cabal demonstração do fracasso dessas políticas e da cegueira dos seus promotores. A saída da Grécia, caso a insensatez dos governos europeus não a consiga evitar, seria o mais grave erro de toda a história da construção europeia.

O inusitado radicalismo dos governantes portugueses denuncia o seu profundo desprezo pela Europa e pelos povos que dela fazem parte. Reflete a indiferença ou mesmo a inconsciência dos graves desafios a que a Europa tem de responder para corrigir uma união monetária com deficiências congénitas e prosseguir no caminho da união bancária, da união fiscal, do reforço da integração e do regresso às políticas de convergência. Um caminho que não se fará, seguramente, caso a Grécia fosse abandonada à usura da finança internacional.

Pedro Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 25.06.2015