Luz no túnel da crise do euro

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Finalmente — ao fim de oito anos de crise! — surge alguma luz ao fundo do túnel da zona euro. A Comissão Europeia acaba de apresentar a sua proposta para reformar a União Económica e Monetária (UEM) que vai além da ortodoxia, simplismo e enviesamento que têm dominado o Ecofin e o Conselho Europeu.

A primeira coisa que está a mudar é a narrativa. Como surgiu esta crise do euro que estiolou tanta gente, tantos Estados-membros e o próprio projeto europeu? A falta de disciplina orçamental pode ter existido nalguns casos, mas as razões profundas foram outras: primeiro, um reforço da competitividade minado por más escolhas de investimento e de atribuição de crédito, depois uma crise financeira gravíssima que forçou muitos países a endividarem-se para lhe responder e os expôs à pressão especulativa dos credores. Até porque a zona euro não dispunha na altura das defesas de que todas as outras zonas monetárias do mundo dispõem: um banco central como último garante de taxas de juro razoáveis e um instrumento de apoio em caso de crise de dívida soberana.

A segunda coisa que muda é a definição dos objetivos que devem presidir à reforma da UEM: a estabilidade financeira baseada no défice, dívida, inflação e valor cambial da moeda podem chegar para países altamente competitivos e exportadores como a Alemanha. Mas, para a maior parte dos outros Estados-membros, não chega. É preciso acrescentar o crescimento e o emprego e ainda a convergência económica e social real.

Com o diagnóstico e os objetivos corrigidos, torna-se possível começar a corrigir as soluções.

O pilar económico da UEM tem de ter uma dimensão social reforçada. A zona euro não pode ter futuro se agravar as diferenças de taxa de desemprego ao ponto de em algumas regiões ela ser 4 % e noutras 40%. Mas, para que o nível de emprego, salários, acesso a educação possam começar a reconvergir, é preciso garantir meios de apoio financeiro ao investimento que complementem aquilo que os orçamentos nacionais não podem fazer, exatamente porque estão condicionados por uma disciplina orçamental comum.

É aqui que surgem as novidades mais substanciais a discutir a partir de agora. Reconhece-se que a zona euro necessita de uma capacidade orçamental própria e com dois propósitos bem distintos: apoiar Estados-membros confrontados com um choque económico, no sentido de proteger a sua capacidade de investir ou de segurar os seus dispositivos de proteção social no desemprego. Mas também apoiar em particular os Estados-membros, como o nosso, que precisam de investir e de reformar para voltar a convergir.

Relançar o investimento é também a preocupação central no caminho proposto para completar a união bancária, que ficou a meio: há ainda muito trabalho a fazer para absorver o crédito malparado mas, para proteger os contribuintes, há que avançar em dispositivos de seguro das poupanças financiadas pelos próprios bancos.

Trata-se agora de criar a coligação de forças na Europa que empurre a reforma da UEM neste novo sentido. É certo que a negociação entre os novos governos da Alemanha e da França serão marcantes, mas Portugal tem de ir a jogo. Com a sua visão própria sobre a zona euro que queremos, mas também com o seu próprio caso a requerer soluções urgentes. Os argumentos são agora muito claros: saímos de défice excessivo, apresentámos um plano nacional de reformas e investimentos para o futuro, estamos a fazer o nosso próprio grande esforço, é a altura de metermos o nosso próximo golo na baliza. Precisamos, e merecemos, que estes novos instrumentos para acabar com a crise do euro vejam a luz ao fundo do túnel. É isto que pode dar novo sentido ao projeto europeu.

Maria João Rodrigues