Maria Luís e as pensões

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Tenho simpatia pela ministra das Finanças. Gosto do sorriso e da delicadeza com que todos os meses me vai ao bolso. Gosto da ternura no olhar de cada vez que aparece em público a ameaçar reduzir-me os rendimentos do trabalho. Gosto da candura com que me diz que os compromissos que o Estado assumiu comigo para a minha velhice não são, afinal, para cumprir. Estou, aliás, convencido de que este sentimento em relação a Maria Luís Albuquerque é partilhado pela generalidade dos portugueses, sejam eles trabalhadores ou aposentados. Afinal de contas quem é que não gosta de ser assaltado com urbanidade e boa educação por um saia e casaco de fino corte, tipo “peço desculpa pela maçada, mas, se não se importa, faça o obséquio de passar para cá aquilo que ganhou, é certo que com esforço e honestidade, mas, como diria o outro, é a vida. Vá, tenha paciência e não leve a mal”.

Vem isto a propósito do alvoroço que nesta semana se instalou por causa do futuro do sistema de pensões. A ministra das Finanças, num assomo de “honestidade” e franqueza, decidiu trazer para o debate público os planos do governo para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social. Em abono do rigor, importa reconhecer que Maria Luís não disse nada de novo. Isto é, limitou-se a reafirmar aquilo que PSD e CDS aprovaram em Conselho de Ministros e inscreveram no Programa de Estabilidade, ou seja, a poupança anual (leia-se cortes) de mais 600 milhões já a partir de 2016. Podem os spin doctors de serviço dar as voltas que quiserem, que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos que poupança, no léxico governamental, significa cortar. Como se essa não tivesse sido a prática dos últimos quatro anos. Como bem demonstrou a Fernanda Câncio na passada sexta-feira aqui no DN, só os pensionistas perderam quase 25% dos seus rendimentos desde 2012.

Por uma questão de honestidade, convém ainda elogiar a atitude de Maria Luís que, com o seu voluntarismo, deu um bom contributo para a valorização da democracia expondo, antes de eleições, aquilo que pretende fazer. Bom seria que o PS fizesse o mesmo. Dos socialistas sabemos que cortes nem pensar. Conhecemos apenas declarações genéricas sobre diversificação das fontes de financiamento, mas desconhecemos como pretende António Costa assegurar a sustentabilidade da Segurança Social.

E esta é a questão central do debate. Hoje é consensual que o problema existe. Tal como era consensual em 2007, interna e externamente, que a chamada “reforma Vieira da Silva”, diziam-nos, assegurava a sustentabilidade do sistema da previdência por, pelo menos, 50 anos. E tanto era assim que, na Assembleia da República, o PSD exigia ao então governo socialista que fizesse projeções de sustentabilidade, não a 50 anos, mas a 70 ou 80. Daí que, enquanto cidadãos, devamos exigir explicações, não só à atual maioria, mas também ao PS. O que é que aconteceu para que, em meia dúzia de anos, o sistema esteja à beira de falir? O que é que mudou? De quem é a culpa? E, já agora, quem pagará as favas?

A explicação parece óbvia, mas é bom que alguém com responsabilidades políticas a venha dar. Nos últimos anos, a destruição de emprego, a vaga emigratória e o desmantelamento de milhares de empresas provocaram a descapitalização da Segurança Social, não só por via da redução das contribuições, mas também pelo aumento das despesas sociais com subsídios de desemprego e outros apoios. Essa é a causa principal da ameaça de colapso da Segurança Social. E o que mais choca em tudo isto é a falta de criatividade de quem governa para encontrar soluções que não sacrifiquem os do costume.

De facto, a ministra das Finanças não podia ter revelado insensibilidade maior. Mesmo não sendo nada de novo, Maria Luís voltou a lançar o pânico sobre três milhões de portugueses que, quanto mais não fosse pela idade que têm, mereciam um bocadinho mais de respeito. De nada servem as correções de tiro feitas nos dias seguintes, porque aquilo que os mais velhos retiveram foi que, para esta gente, valores essenciais como a previsibilidade e a confiança não servem para nada.

Nuno Saraiva
Opinião DN 31.05.2015