Mario Draghi salva-nos das Cassandras

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Depois do patético debate semântico entre o presidente do Eurogrupo e o vice-presidente da Comissão Europeia, Jeroen Dijsselbloen e Pierre Moscovici, com o primeiro a dizer desconhecer a diferença entre “se” e “quando” Portugal teria de aplicar medidas adicionais de austeridade, e o segundo a dizer que viria a Lisboa esclarecer a diferença, o certo é que Moscovici passou por cá e depois de reuniões com Mário Centeno e António Costa (que voltou a garantir que não há qualquer plano B) disse que não discutiu com o Governo português medidas adicionais, remetendo para maio um eventual orçamento retificativo, que na opinião das instituições europeias será inevitável. É espantoso que um orçamento que ainda não foi sequer aprovado pela Assembleia da República mas cujas linhas gerais mereceram luz verde da Comissão e do Eurogrupo seja já considerado por estas instituições como um nado-morto. Mas, como é óbvio, são razões que a razão conhece muito bem.

E a razão que se conhece é que ninguém tem dúvidas de que o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloen, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovski, ou seja, a linha dura austeritária que continua a pontificar na Europa, tudo fará para minar a solução governativa portuguesa e para inviabilizar o caminho orçamental que tem vindo a seguir.

Por isso, não há dia em que qualquer facto que levante obstáculos à atuação do Governo seja abertura de noticiários televisivos, rádios e jornais. Esta semana foi a Capital Economics, uma consultora financeira, a prever que a agência de rating DBRS ia classificar a nossa dívida como lixo, cortando-nos o acesso ao programa de compra de dívida pública do BCE e levando as nossas taxas de juro para 8%, uma “análise”. É claro que tal “análise” teve de ignorar que em 12 de fevereiro a DBRS disse estar confortável com o rating atribuído a Portugal — “BBB”, acima de lixo —, mantendo a perspetiva “estável”; e que a Moody’s no dia 2 de março elogiou a aprovação do OE-2016, frisando que eliminava o risco político.

A última ‘alegria’ de todos os que querem derrubar a atual experiência governativa foi o facto de o Tesouro ter colocado dívida a cinco e dez anos no mercado a taxas acima das da última emissão (cerca de 0,6 pontos), com uma procura menor. Só que na quinta-feira o Banco Central Europeu anunciou o seu fortíssimo pacote de estímulos à economia europeia. Resultado: as taxas de juro das Obrigações do Tesouro de todos os países da periferia caíram a pique e, no caso português, baixaram para menos de 3%. Conclusão: contra as sete pragas do Egito, rogadas pelas Cassandras austeritárias, eis que surge Super Mario (Draghi) a deitar-lhes por terra as previsões. Mais uma vez. Já é preciso azar…

Nicolau Santos
Semanário Expresso 12.03.2016