No 50.º aniversário dos pactos da ONU sobre direitos

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Um pouco por todo o mundo, a ideia de “direitos humanos” e a do seu significado político e social emancipador têm sofrido um ataque ideológico devastador

Aproxima-se o 50.º Aniversário dos Pactos das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos e sobre os direitos sociais e culturais.

Algumas comemorações estão a ser justamente preparadas.

Um pouco por todo o mundo, a ideia de “direitos humanos” e a do seu significado político e social emancipador têm sofrido, entretanto, um ataque ideológico devastador.

Se, no que respeita aos direitos civis e políticos, tem havido, mesmo assim, alguma contenção ideológica – na verdade, a sua limitação pode decorrer naturalmente da redução dos direitos económicos e sociais –, já no que toca a estes últimos, a afronta foi dura e sem disfarces.

Para sustentar a desvalorização e a limitação dos direitos e, especialmente, os daqueles que trabalham por conta de outrem, foi desenvolvido por todos os meios e em todos os planos mediáticos um slogan que procura diminuí-los moral e politicamente.

“Os direitos sociais e culturais – principalmente os dos trabalhadores – não passam de privilégios.”

O próprio direito ao trabalho subsumiu-se no alcance desse anátema.

Poder trabalhar, longe de continuar a ser considerado um direito conatural ao homem e uma atividade nobilitadora da sua humanidade, além de garante de dignidade no relacionamento e de integração social – na família e na comunidade –, começou, de facto, a ser incluído, também perversamente, na categoria de “privilégio”.

Ter trabalho, sobretudo se exercido com regras que o valorizam socialmente, e se remunerado de molde a garantir a dignidade de vida de quem o desenvolve e a da sua família, isso, então, passou mesmo a ser apostrofado pelos propagandistas político-económicos do sistema como um quase atentado à nova ordem social: “o privilégio dos privilégios”.

Salários e vencimentos deixaram de ser entendidos como uma contrapartida óbvia, inamovível do lavor realizado, para adquirirem a conotação de “regalia” – que magnanimamente se concede, ou não –, e nunca como uma contrapartida justa e devida pela habilidade, ciência e desempenho do trabalhador.

Saúde e educação públicas, segurança social na doença, pensões e idade de reforma passaram a ser apresentados como custos espúrios do Estado, a reduzir imperativamente, para que os impostos cobrados aos cidadãos – na sua maior parte aos cidadãos trabalhadores – possam, entre outros interesses económicos em crise, passar a custear, por exemplo, as quebras da atividade bancária.

Qualquer resistência contra a erosão dos direitos sociais passou, portanto, a ser noticiada depreciativamente como “reação corporativa”, e nunca como a expressão saudável de cidadania.

Os sindicatos – e a sua atividade em prol da dignidade do trabalho – foram expostos pública e hipocritamente como agências maléficas do egoísmo de privilegiados – os que trabalham – contra os que estão desempregados.

A contratação coletiva foi, além disso, fortemente condicionada e apresentada como impeditiva das reformas salvíficas para relançar a economia do mundo.

A própria ideia de política como atividade democrática a ser assumida por todos os cidadãos, na prossecução do bem comum, foi também – como nos velhos tempos – menosprezada mediaticamente, o que conduziu a graus nunca vistos de abstenção eleitoral e permitiu, agora, o ressurgimento sempre empolado, mesmo quando aparentemente criticado, de movimentos populistas, racistas e chauvinistas.

Comemorar, pois, a aprovação daqueles pactos de direitos, recordar a sua vigência e, particularmente, o seu conteúdo, princípios – como tal inalienáveis – e benefícios, num momento em que tudo pode ainda ser possível, parece, assim, da maior importância e significado democrático para o nosso país, para a Europa e para o mundo.

António Cluny
Jurista.
Jornal i 01.11.2016