O capitalismo no divã

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Numa dúzia de anos, lá para 2030, mais de metade dos atuais postos de trabalho estarão automatizados ou terão ficado obsoletos, ou seja, mais máquinas no lugar de pessoas. Três quartos das quinhentas maiores empresas do Mundo terão desaparecido ou terão sido trocadas por outras. 60 por cento dos empregos em que se ocuparão aqueles que hoje entram na escola ainda nem sequer foram criados. As previsões são do Fórum Económico Mundial, a cimeira das elites planetárias que anualmente se reúnem em Davos, na Suíça.

As tecnologias estão a mudar a forma como vivemos, aprendemos e trabalhamos. A revolução tecnológica que está a passar pelas nossas vidas distingue-se das anteriores pela velocidade, pela dimensão e pela força com que está a transformar os sistemas de produção, distribuição e consumo. Exemplos comezinhos como o desaparecimento da intermediação em muitos negócios e setores de atividade e a rápida extensão do comércio eletrónico supõem, por si sós, o desaparecimento de centenas de milhares de empregos. A análise sobre as transformações na economia mundial e no mercado de trabalho antevê que, nos próximos cinco anos, por cada sete milhões de empregos que se perdem, apenas se recuperem dois.

Que fazer, então, com os que perdem o seu posto de trabalho, única fonte de rendimento? Se não vai haver trabalho estável para todos, como garantir rendimentos mínimos para uma subsistência digna? É possível mais e melhor democracia com altos níveis de desigualdade? Eis o problema do capitalismo, a refletir sobre si próprio, quando se levanta do divã de Davos.

Como ocorreu nas anteriores revoluções industriais, é de esperar que o salto tecnológico que estamos a dar represente também um aumento da produtividade e, em consequência, da riqueza. A grande questão é, porém, como vamos reparti-la no futuro, sendo certo que o crescimento económico das últimas décadas acentuou não só as desigualdades, mas também a insegurança, em especial onde é menor a repartição de riqueza.

Entre ricos e poderosos, a esmagadora maioria da clientela de Davos é composta pelos que acreditaram piamente na tese do “fim da história”, proclamada pelo filósofo Fukuyama, já velha de um quarto de século. Decretava, então, que o livre mercado e a democracia haviam triunfado inexoravelmente. Bastaram dois terramotos – o Brexit, o voto dos britânicos para deixar a União Europeia, e a vitória e Donald Trump, cuja posse coincidiu com o último dia do Fórum – para demonstrar o equívoco dessa doutrina… e seus apóstolos.

Afonso Camões
Opinião JN 22.01.2017
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