O Estado gasta demais em Saúde?

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É frequente ver na opinião especializada a ideia de que existe uma despesa pública excessiva no sector da Saúde.

A observação foi-se consolidando nos últimos anos, a partir de diversos exemplos, desde as determinações do plano de assistência financeira aos múltiplos relatos de desperdício, endividamento e até fraude que – inegavelmente – ainda persistem no domínio do Serviço Nacional de Saúde. A partir desta realidade construiu-se um debate relevante, porém não raras vezes enviesado, sobre a sustentabilidade do serviço público.

Se olharmos para a estatística disponível, verificamos que a despesa total – pública e privada – de Saúde em Portugal representa 9,5% do PIB, valor que se encontra ligeiramente acima da média da OCDE: 9,3%. No entanto, aquilo que a maior parte das análises tende a ignorar é a componente pública correspondente a este investimento, que é de apenas 65% e representa pouco mais do que 5% do Produto (8,5 mil milhões). Neste indicador, Portugal não fica bem na fotografia. Entre os parceiros europeus, apenas Hungria, Polónia e Estónia investem proporcionalmente menos dinheiro público nos cuidados de saúde prestados à população.

Outra ideia, subjacente a esta, que foi germinando na opinião pública é a de que o cidadão português paga pouco pelos cuidados de saúde que lhe são disponibilizados no sistema público. Assume-se que, para manter o actual regime de acesso universal, é necessário exigir novas contribuições, designadamente através do aumento das taxas moderadoras ou da criação dos co-pagamentos. Uma vez mais, os números não reflectem essa necessidade concreta, uma vez que o investimento feito directamente pelo utente – o gasto out of pocket – representava 27% da despesa total registada em 2014. Um valor com tendência a agravar e que coloca Portugal como o sexto país da OCDE que mais despesa individual exige à sua população.

A estes dados, soma-se uma contracção do orçamento público para a Saúde superior a dois mil milhões de euros entre 2012 e 2013, agravada com orçamentos em baixa nos anos subsequentes. Neste cenário, não é difícil imaginar os pequenos milagres diários que as instituições e os profissionais estão obrigados a realizar para manter um nível de resposta aceitável às populações.

O problema do sector, e em particular do Serviço Nacional de Saúde (SNS), não é despesa a mais, mas antes a falta de uma estratégia de longo prazo e de condições favoráveis para que a despesa seja melhor aplicada. É exigível um debate transparente sobre esta matéria, que ultrapasse uma visão mais ou menos contabilística e ad-hoc sobre a presença do Estado na Saúde da comunidade. Para uma reforma positiva do SNS que preserve o seu código genético é necessário investir e não desinvestir, exigir saber como são utilizadas as contribuições da população, respeitar prioridades éticas. Em tempo de debate pré-eleitoral, a sociedade civil deve reclamar dos partidos políticos programas que objectivamente lhe indique onde vão ser aplicados os seus impostos.

Miguel Guimarães

Opinião Económico 11.06.2015