O Futuro dos Reformados

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Pacheco Pereira afirmou, recentemente, que vivemos tempos interessantes. Interessantes, sem dúvida, para quem ensina, analisa ou pensa em economia, a quem é oferecido um manancial de factos novos, decisões únicas e acontecimentos diários que irão ficar para a história. Infelizmente, pelos piores motivos.Sendo necessário escolher, a tentação de comentar o Documento de Estratégia Orçamental (DEO) é quase irresistível. Decidi, no entanto, falar de algo que me choca mais do que tudo o resto: o futuro que tem sido negado aos reformados e pensionistas deste país.Tenho, sobre este tema, duas perspetivas: uma, mais social, que me leva a achar incompreensível a forma com os “mais velhos” têm sido tratados, e outra, mais técnica, que aponta claramente para um conjunto de falácias que têm estado na base das decisões tomadas.Do ponto de vista social as enormes injustiças vêm suportadas por alusões a uma qualquer forma de equidade entre gerações e a um hipotético futuro para os nossos filhos. Os argumentos são esgrimidos e apresentados como se os reformados não tivessem futuro. Os nossos filhos têm, isso sim, um presente muito concreto já comprometido; deixaram de contar, em muitos casos, com a ajuda dos avós e pensam o seu futuro, quase invariavelmente, no estrangeiro. E se a minha geração ainda tem vida ativa suficiente para planear uma reforma que dificilmente dependerá apenas do Estado, quem já está reformado não o pode fazer. Mais, não o fez enquanto ativo porque lhe foi dito que não era necessário; as regras do jogo eram claras! Não foi por falta de precaução ou por uma atitude laxista de direitos adquiridos.Do ponto de vista técnico, as opções tomadas baseiam-se em pressupostos de análise errados ou distorcidos. Como é sabido, o nosso sistema de reformas tem uma base intergeracional: cada geração contribuinte está a pagar as pensões dos atuais reformados.As alterações do sistema de pensões implementadas por anteriores governos, no sentido de aproximar as reformas do sector público às do privado e de transferir os beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (CGA) para o regime geral, garantiam, após um período de transição, a sustentabilidade do sistema. Obviamente que, deixando as gerações presentes de funcionários públicos de contribuir para a CGA e tendo o Estado que continuar a pagar, deste fundo, as pensões dos atuais reformados, este sistema teria que, necessariamente, ficar desequilibrado. Caberia então, naturalmente, ao Estado assegurar o sistema durante o período de transição.Além disto, a análise da sustentabilidade futura do sistema de pensões partia de projeções demográficas, realistas à época. Se os pressupostos de análise deixaram, em grande medida, de ser válidos, a culpa é sobretudo das medidas que têm vindo a ser tomadas. Os casais novos, sem esperança no futuro e, muitas vezes, sem emprego, não têm filhos. Muitos dos nossos jovens que poderiam ingressar na população ativa emigram por falta de oportunidades em Portugal. Isto aponta, como revela o destaque do Instituto Nacional de Estatística de 28 de Março, para um decréscimo dramático da população portuguesa. Neste cenário as contribuições para a segurança social vão, com certeza diminuir drasticamente (facto ignorado no DEO).O problema não se resolve pondo os reformados a pagar o desequilíbrio que não foi criado por eles, mas sim garantindo as condições de sustentabilidade do sistema: uma população ativa contribuinte e que garanta o aumento da taxa de natalidade. Estas sim devem ser as nossas prioridades. Durante alguns anos o “buraco” continuará a existir e cabe ao Estado suportá-lo. Paralelamente deve garantir as políticas de estímulo à natalidade e de retenção da mão-de-obra jovem que assegure, aí sim, o futuro dos nossos filhos e netos sem hipotecar o dos nossos reformados.

Docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

Francisca Guedes de Oliveira

(Público)