O ovo da serpente

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Tenho uma relação estranha com a Alemanha. Dali vieram alguns dos maiores escritores, poetas, músicos, dramaturgos, cineastas, artistas plásticos que eu admiro, e dali saíram duas guerras mundiais, com inícios em 1914 e 1939.

Alguns dos maiores pesadelos que a Europa (e a humanidade) viveu foram
gerados na Alemanha. Foi ali que Bergman colocou “o ovo da serpente”.

Foi ali que Bram Stoker colocou o castelo original do conde Drácula. Foi da terra alemã, a viajar de barco para fora das fronteiras, que Nosferatu trouxe a peste que dizimou milhares no filme de Murnau. Loucos nasceram (e nascem) em todo o lado, mas foi na Alemanha que um austríaco, frustrado pintor de medíocres aguarelas, tentou dominar o mundo, proclamando a hegemonia da raça ariana.

Assustador não foi aparecer um louco, foi milhões de loucos seguirem-no. Nas urnas, nas paradas, nas trincheiras, nos campos de concentração. Assustador é ninguém ter tido culpa, ninguém saber de nada, todos terem cumprido ordens.

Intrigante foi aparecer na década de 20 um movimento artístico a que se passou a chamar expressionismo, que mostrava como a sociedade gera monstros (literários, poéticos, teatrais, cinematográficos…) que prenunciaram o aparecimento de outros monstros, ia a dizer não humanos, mas o que é verdadeiramente surpreendente é que eram “humanos”.

Falando só do cinema, filmes como “O Gabinete do Dr. Caligari” e “As Mãos de Orlac”, de Robert Wiene, “O Estudante de Praga” e “O Golem”, de Paul Wegener, “Nosferatu, uma sinfonia de horrores”, “Fantasma”, “O Último dos Homens” e “Fausto, uma Lenda Alemã”, de Friedrich Wilhelm Murnau, “O Gabinete de Figuras de Cera”, de Paul Leni, “Mabuse”, “Os Nibelungos”, “Metropolis” e “M Matou”, de Fritz Lang, são alguns títulos possíveis de evocar para documentar o mal-estar de uma sociedade reflectido nessas obras. Chamaram a esse período o “Ecrã Demoníaco”.

Desde 1945 que a Europa não conhece uma guerra mundial. Um período de paz que, ao que julgo perceber, estaria na origem da constituição da União Europeia.

Os políticos que a criaram imaginaram -na assim. Os políticos que lhes sucederam foram lentamente alterando as finalidades. Será que se chocam por aí novos “ovos de serpente”? Que político é esse de riso alarve que faz humor negro com a desgraça da Grécia e Porto Rico? Estarão já no poder novos “monstros” que se entretêm a torturar e humilhar os mais fracos? Que Europa é esta? Para onde vai?

Lauro António
Opinião Jornal i 17.07.2015