O trono somos nós

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Há um gesto reflexo que partilhamos com toda a espécie animal, ainda que, por educação, o disfarcemos na idade adulta, colocando a mão diante da boca. É o bocejo. Os cientistas dividem-se quanto à explicação do fenómeno, que aliás se prova ser contagioso entre pessoas e animais que nos estão mais próximos. E bocejo é o que me ocorre, no dia em que começa oficialmente a campanha eleitoral para a Presidência da República.

A minha proposta é que, mesmo bocejando, levemos a coisa a sério, porque diz o velho ditado que bocejo longo é fome ou sono, ou ruindade do dono.

Quando escolhemos o presidente da República, não estamos a escolher um programa de governo, nem a equipa para governar, nem sequer uma opção de regime. O que escolhemos é um rosto à nossa medida, a representação simbólica da chefia do Estado que somos nós, a figura na qual nos revemos e na qual delegamos a projeção de Portugal e dos portugueses no Mundo. Não é coisa pouca. O programa do presidente é a Constituição da República. Cumpri-la e fazê-la cumprir. Nem mais, nem menos. Ainda que, com os mesmos poderes constitucionais, já tenhamos tido rostos e intérpretes tão diferentes como Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco. Descontando este, que nenhum dos atuais promitentes quer adotar como exemplo, vá-se lá saber porquê.

Com a ajuda do que se despede, o condomínio privado em que se transformou a política portuguesa, dominada pela oligarquia partidária, tem feito de tudo para desvalorizar estas eleições presidenciais. Não lhes dá jeito um presidente forte, árbitro justo e imparcial e, sobretudo, engenheiro dos compromissos que nos façam sair deste longo inverno de cidadania. É destes que vem o efeito de contágio que nos leva ao bocejo.

Muitos ainda sofrem da síndrome da falta de comparência, depois de terem ficado pelo caminho as hipóteses de Guterres, Durão Barroso, Vitorino, Rio e até Santana. Acontece que os 10 candidatos que temos são os melhores, por uma razão comezinha: são os únicos que temos, os que se chegaram à frente e se atravessam por nós – ou por si próprios, que também há desses.

Lembra sabiamente a minha sogra que “o trono faz o rei”. Acontece que na República o trono somos nós. E se nos resignarmos à máxima de que o que o povo quer é pão e circo, acabaremos sem um nem outro, porque o pão escasseia e o circo já não entretém. Para que o bocejo não seja a ruindade do dono, ainda vamos bem a tempo de conhecer melhor cada um dos candidatos e de votar no dia 24.

Afonso Camões
Opinião JN 10.01.2016