Opinião

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O PAÍS DAS MARAVILHAS 

O PRIMEIRO-MINISTRO QUE TEMOS
1. Ontem, 5 de Março, aconteceu o impensável. Perante um país atónito, os deputados do Bloco de Esquerda abandonaram o plenário da Assembleia da República. Mais tarde, já era noite, o Secretário-Geral do Partido Comunista Português, na televisão, criticou a atitude do Primeiro-Ministro que provocou a debandada do Bloco de Esquerda. Esta manha, na Antena 1, o Subdirector do Expresso, o jornalista Nicolau Santos escusando-se em qualificar a atitude do Primeiro-Ministro, também não a deixou de criticar. E que atitude foi essa, então? Ofendido, amuado, whatever, o Primeiro-Ministro não gostou que a Deputada Catarina Martins lhe dissesse que as palavras dele não valiam nada porque são uma mentira pegada, o que disse há um ano – levando à certa o Tribunal Constitucional – sobre a transitoriedade dos cortes quer nas pensões e reformas quer nos vencimentos da Função Pública, hoje admite que não será assim. Os cortes vieram para ficar; viver com os montantes de 2011, é insanidade, é preciso garantir que a dívida pública baixa. A força da razão, segundo o Primeiro-Ministro, claro. O Primeiro-Ministro não gostou que lhe descobrissem a careca e decidiu, arrogante e despudoradamente, não responder. Ou seja, no recinto mais acarinhado da democracia e que deveria ser o mais estimado e preservado para o exercício das nossas liberdades, o Primeiro-Ministro mandou a democracia às urtigas e, do alto da sua impunidade, decidiu ignorar a demonstração dos factos. Para político, dirigente de um país, indesculpável, inaceitável. Até quando, abusarás da nossa paciência?

2. Mas a dívida pública não baixa, apesar do empobrecimento, apesar das dificuldades brutalmente impostas à grande maioria da população portuguesa, apesar da intensa propaganda governamental. Uma dívida à prova de bala, rija e para durar. O FMI já admitiu algum erro; os lucros da Alemanha explicam a permanência da dívida pública portuguesa; os economistas da nossa praça quase unanimemente frisam a mesma contradição, mas quê, a obstinação, o seguidismo obsessivo de quem pode e manda, não se demove. Haverá dúvidas de que as próximas eleições europeias constituem o vestíbulo das eleições legislativas e, portanto, uma antecâmara do nosso futuro colectivo? 

3. O Primeiro-Ministro não fala verdade, o tempo já o provou mas também entra noutro tipo de contradições. Não deixa de ser interessante seguir com atenção as suas intervenções para se poder apanhar estas meias verdades. Ontem ainda caiu em cima do Partido Comunista acusando este de querer confiscar os bens de um certo número de portugueses que não param de fortalecer escandalosamente as fortunas deixando, aliás, para trás o próprio Bill Gates. Ora, dizia o Primeiro-Ministro, o Governo não faz confiscos. É um Governo impoluto este, não sabiam? Não confisca, não esbulha, respeita escrupulosamente o esforço de terceiros, os contratos firmados pelo Estado. O Primeiro-Ministro bate continuamente com a mão no peito, um poço de virtudes, de equilíbrio e de bom senso. E eu, ali, a ouvir esta afronta, a pasmar, a calar com dificuldade a vergonha que vou sentindo. Donde julga o Primeiro-Ministro que lhe vem esta autoridade para, com tanto despudor, afirmar que não faz confisco? Não faz, evidentemente, aos muito ricos mas fá-lo, mês após mês de forma sistemática, fria e cruel, a quem tem menos, a quem trabalhou e contribuiu para garantir a dignidade na velhice. Se isto não é confisco, o que é então? Fosse a sua determinação consequente, e o Primeiro-Ministro teria de admitir que é urgente e indispensável negociar o pagamento da dívida. Como?! Os economistas explicam-lhe, dão-lhe argumentos, apontam-lhe o caminho. O caminho e a porta, assim sirva o nosso voto.
Maria Luísa Cabral