Opinião

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Um país melhor é um país sem pessoas
As estatísticas são desta semana. Há dois milhões de portugueses em risco de pobreza. Gente que vive com menos de 409 euros por mês (muitos deles, com muito menos). Não fossem as prestações sociais e, em vez de dois, seriam quase cinco milhões de portugueses pobres. Em privação material severa, ou seja, na miséria, vivem um milhão de pessoas. Gente que não tem dinheiro para pagar a renda, para aquecer a casa, para comprar roupa, ou sequer para comer.
São também desta semana as estatísticas sobre pobreza entre os mais novos. Desde o início da crise, a percentagem de jovens portugueses até aos 30 anos em situação de privação extrema passou de 20% para 37%. Um em cada cinco não tem como substituir uma peça de roupa velha, ainda que fosse para comprar em segunda mão. O futuro não é risonho nem para quem está na idade de sonhar sem limites: mais de metade dos nossos adolescentes (até aos 15 anos) acredita que terá de emigrar para arranjar trabalho.
O que é que isto tem a ver com as terríveis projeções populacionais para 2060? Tem tudo. Alguém acredita que os jovens portugueses – desempregados, dependentes dos pais, obrigados a emigrar – estarão disponíveis para semear Portugal com filhos? Alguém acredita que um jovem que não avista senão um horizonte de pobreza arriscará mais do que um filho, se é que algum? Perante este cenário, o que surpreende é que o INE classifique como pessimista a projeção que prevê pouco mais de seis milhões de almas a residir em Portugal em 2060 (e quase metade terá mais de 65 anos).
É certo que não se pode assacar a um único Governo o tenebroso inverno demográfico que se avizinha. Mas, quando este Governo, no discurso, se revela tão preocupado com a natalidade, é imprescindível lembrar alguns dos “incentivos” à procriação que distribuiu ao longo destes três anos: um brutal aumento de impostos sobre os rendimentos do trabalho; um nível de desemprego que afeta mais de um milhão de pessoas; uma escola pública em que há cada vez mais alunos por turma e cada vez menos professores; médicos de família obrigados a seguir um número cada vez maior de utentes, mascarando o declínio do serviço nacional de saúde. Tudo razões para fazer crescer a natalidade…
Percebem-se melhor afirmações aparentemente absurdas como a de que “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”. Sobretudo se não tiver pessoas.

(JN)