Os Idosos São os Que Mais Morrem Nas Estradas

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No passado dia 27 de Janeiro, o Jornal de Notícias publicou uma notícia intitulada “Idosos são os que mais morrem na estradas”.

Nessa mesma notícia lê-se: “os idosos foram onde se registou o maior número de mortos, representando 28% do total”.

No mesmo dia, uma das notícias do programa da RTP1 “Bom dia Portugal” era de que, nos últimos cinco anos, um terço das pessoas, vítimas de acidentes de viação, foram pessoas com mais de 65 anos e que nos atropelamentos, metade das pessoas que morreram foram pessoas idosas.

Dito assim e sem que, naturalmente, se ponha dúvida na certeza destas conclusões baseadas nos números, é preciso explicar que os números só por si são desprovidos de emoções. Ora, sem a devida aclaração, é natural que alguns idosos possam sentir-se afrontados.

Vamos então por partes:

  1. Sabemos que mais de 1/5 (21%, no final de 2016, segundo a PORDATA) da população portuguesa é constituída por pessoas com 65 e mais anos de idade. Quando se fala de 1/3 das vítimas de acidentes de viação serem idosos, parece estarmos perante um número astronómico, o que afinal representa apenas 28%, ou seja, 129 idosos num total de 460 vítimas.
  2. Se o grupo etário dos idosos foi onde se registou um maior número de mortos representando 28% do total, não nos pode causar tanta admiração assim, tendo em conta que numa idade mais avançada as debilidades físicas podem ter interferências de vária ordem, por exemplo, na reacção e na recuperação ou nas complicações que advêm de doenças que sofrem.
  3. A comparação só deveria ser feita grupo etário a grupo etário. Explicando melhor, seria necessário conhecer o número de vítimas em cada grupo etário (0-14; 15-24; 25-64; 65 e mais) e conhecer o peso de cada grupo em relação ao total da população para que as conclusões fossem consentâneas com a realidade. 
  4. Estes dados podem ser consultados no Relatório de Sinistralidade 2017 (jan. – nov.) da Autoridade Nacional Segurança Rodoviária (ANSR), pág. 22.

    Como se verifica, o número de vítimas mortais no grupo etário dos 65+ é significativo (129 em 460, no ano de 2017).

    Transpondo os valores do quadro da ANSR acima para os grupos etários de referência, constata-se que é no grupo 25-64 anos que há mais vítimas (ver quadro seguinte), pelo que, seguindo a lógica da notícia, poder-se-ia contrapor que 2/3 das vítimas mortais em acidentes de viação eram pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos.

    Mas, se assim fosse dito, também não seria correcto, já que em ambos os casos não se estava a atender à percentagem de cada grupo no total da população (segundo a PORDATA, no final de 2016 era, respectivamente, 14%, 10,6%, 54,3% e 21,1%).

  5. As estatísticas representam ou tentam representar os estudos através de números porque só dessa forma se pode fazer uma leitura. Mas é necessário que os números sejam explicados para que não se tornem perturbadores. É isso que acontece quando, sem mais, se afirma que os idosos são os que mais morrem nas estradas.
Conclusão: é sempre mau quando falamos de vítimas, independentemente das causas ou das idades. Pior ainda quando as notícias em vez de esclarecer confundem ou, ainda que possa não ser intencional, atingem indevidamente um determinado grupo etário.
Ângela Dias da Silva
Associada nº138