Pausa

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O País das Maravilhas

1. Há uns dias que não ligo a televisão. Hoje, decidi ouvir as notícias, Canal 1, o mais antigo. Eu sou de fidelidades. Gosto daquele ar caseiro, que torce o nariz enojado, ou se ri connosco, gosto da piscadela de olho quando se despede. São coisas pouco prosaicas mas eu também sou assim. Liguei o aparelhómetro. Acabaram com a televisão e rádio estatal na Grécia?! De súbito, tive a sensação de ter uma tontura. Tivesse eu aterrado depois de uma longa ausência pela galáxia e nada me poderia assustar mais. É o retrocesso, o fascismo às nossas portas. Na Hungria as coisas não estão melhor, a direita nazi ganha terreno; na Grande e Sublime Porta, bate-se, carrega-se com os tanques de água, mata-se. Sob a bandeira de um regime mais ocidentalizado, vai-se instalando um regime religioso, daqui a um pouco fanático. Na Europa Central arranjam-se todos os subterfúgios para esmagar, de acordo com a lei, os países do Sul. Não vou falar de Portugal, é por demais conhecido o que por aqui vai. Mas é tempo de fazer soar o alarme.

2. Esta tarde fui resolver um problema relativo ao seguro da casa. Resumo a situação: há um mês fui modificar a forma de pagamento que era anual e eu achei que pagar todos os meses seria mais suave. Recebeu-me um profissional que me coíbo de classificar. Percebia pouco do assunto mas telefonou para alguém mais preparado e a resposta foi positiva “Com certeza, minha senhora, não há problema”. Fez as contas, eu tinha razão, a solução é bem mais leve do que a anterior. Perguntei se precisava de ir ao meu banco alterar o tipo de pagamento. Que não, que ideia, eles (companhia de seguros) tratavam de tudo. Encantada da vida, que já tenho com que me coçar. Passou a data de cobrança, comecei a ficar desconfiada. Zás! Uma cartinha, se eu não me importava de pagar via multibanco já que a entidade bancária não pagara. Li com atenção a carta. Pois, a autorização de pagamento fora cancelada. Bom, como eu não tinha mexido em nada, ou tinha sido …milagre ou a seguradora tinha interferido. Fui à seguradora. Atendeu-me outro modelo de profissional. “Então, se o banco não pagou é porque a senhora não tinha saldo!”. Não percebi se o comentário era por incompetência, estupidez, má criação ou simplesmente por eu ser da APRe! Chamei-lhe a atenção, que não eram modos, que num tempo destes é preciso um pouco de contenção com este tipo de comentários. “Dê cá o papel”; eu dei mas devia ter-lho esfregado no nariz. Como ele insistisse na questão do saldo, rapei-lhe o papel da mão (fui tão malcriada como ele tinha sido para mim, tant pis!) e apontei-lhe onde dizia Autorização cancelada e tentei explicar que a autorização não podia ter sido cancelada pelo Espírito Santo. “Então, o banco não é intocável!” disse o protótipo de funcionário, ao que lhe retorqui “Nem a seguradora!” Bom, omito o resto. Fui dali ao banco, de facto, tinham a indicação de cancelada. Repus a ordem indispensável mas como se percebe foi a dedicação do primeiro funcionário (há um mês) que deve ter cancelado o pagamento anual ignorando as consequências da sua instrução ao computador e que o sistema, automaticamente, faz a transferência de acordo com o montante que lhe for indicado desde que não ultrapasse o plafond para o qual tem autorização. O país está a trabalhar muito bem e quando mete informática, atinge o clímax! Talvez pudéssemos avisar o Primeiro Ministro destas pequenas maravilhas.
3. Estive a trabalhar todo o serão. Resolvi fazer um intervalo, liguei de novo o aparelhómetro, aquele que nos invade os serões com bonecos e som. Cheguei agora de Plutão. Por lá é tudo mais sisudo, mais de acordo com a solidão e com a vastidão do Universo. Mais responsável. Pela Avenida da Liberdade – bendito nome! – desfila a cor. Dou com muitas meninas, possantes algumas, muitos meninos garbosos. Padrinhos, madrinhas, populares que mandam umas bocas. A felicidade completa; exibem cores garridas, roupas brilhantes, manjericos na cabeça, também perucas, abanos, leques, sombrinhas, cantam todos, – e como desafinam! – saracoteiam, abanam-se, esganiçam-se, dão muitos beijinhos aos apresentadores, muitos beijinhos e abraços para a direita mas também para esquerda, cumprimentam-se, regozijam-se, e dão também muitos beijinhos ao Presidente da Câmara. Que agradece, ah, se agradece. Ah, grande campanha eleitoral! Está aberta a campanha, pum! Muita alegria, muita exuberância. Ouviram que há por aí uma crise que nos arruína completamente, que nos atira para longe, muito longe da Europa? Uma crise que acaba com a cultura? Quem diria. Cultura, uma coisa que gasta dinheiro e consegue pouco retorno, uma coisa que sai muito cara e que leva gerações a construir, a ganhar público, fiéis seguidores. Destrói-se rapidinho. Ali, no coração desta Lisboa, dança-se. Sacode-se a crise. O medo, também. O medo de hoje e o de amanhã. Quando nem para sardinha chegar, como vai ser?! Lá vai mais um beijinho!
4. Vou deitar-me. Já tomei a minha dose de alienação, já desabafei. Amanhã é dia de Santo António, um santo que conta com a simpatia da direita e da esquerda. Porque, afinal aquilo que nos une é bem mais importante do que o que nos divide.

Luísa Cabral