Portugal à Frente! Mas à frente em quê?

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Dizem-nos que se chama Portugal à Frente porque o interesse nacional é o que os move. Não questiono, em circunstância alguma, a bondade das intenções e, muito menos, o patriotismo de quem quer que seja. Mas o nome da aliança renovada entre PSD e CDS não deixa de me causar interrogações e perplexidades.

A primeira – e óbvia – é à frente em quê? Portugal é, segundo a insuspeita Cáritas, o país da Europa onde a taxa de risco de pobreza e de exclusão social mais cresceu no último ano. Somos, de acordo com todos os relatórios internacionais, a terceira dívida pública mais elevada da UE e um dos países onde este parâmetro mais cresceu. Temos, de acordo com o Eurostat, o quinto desemprego mais elevado dos países europeus. Estamos também na cauda da zona euro – quintos a contar do fim – no que respeita ao valor do salário mínimo, só ultrapassados neste ranking por potentados económicos como a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Eslováquia. Temos, em termos relativos, das maiores vagas emigratórias dos países europeus. Será desta vanguarda trágica que, quem governa, nos quer impingir orgulho?

Manda a honestidade que se diga que, de facto, na comparação com o Portugal de 2011, há um ou outro indicador mais favorável. Desde logo os juros da dívida. Mas o mesmo rigor impõe que se assuma que esta realidade só foi possível graças ao “canhão Draghi”, isto é, à intervenção do Banco Central Europeu.

Regresso ao nome de batismo da coligação de direita, porque a política também se faz de siglas. Se “Portugal à Frente” for representado pelas iniciais dos dois substantivos, unidas pela preposição, o resultado é P.A.F. Curiosamente a mesma sigla poderia significar Programa de Assistência Financeira. Bem sei que há não muito tempo, PSD e CDS celebraram o primeiro aniversário da saída da troika. Mas não me esqueço de que foi o atual primeiro-ministro quem assumiu com entusiasmo, nos idos de 2011, que o programa de ajustamento seria o seu programa de governo. E que não só o quis concretizar sem desvios, apesar da dor infligida, como não hesitou em decidir, e isso hoje é indesmentível, ir muito para além do memorando.

Mas, se quisermos simplificar, podemos deixar cair a preposição da sigla e ficamos apenas com P.F. Ora, para traduzir esta designação as possibilidades são infindáveis. “Promessas Falhadas” ou “Promessas Falsas”, afinal de contas a leitura factual daquilo que foram estes quatro anos, analisados a partir dos compromissos assumidos – e nunca cumpridos – por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na campanha das últimas legislativas. Isto é, para pedir o voto valeu prometer tudo, mesmo sabendo que nunca se iria cumprir. Cortar subsídios de férias e de Natal era um disparate, aumentar impostos nem pensar, que o país não aguentava, reduzir salários ou pensões era uma invenção sem sentido, despedir funcionários não passava de uma mistificação. Enfim, a mentira como modo de fazer política.

Mas P.F. pode também significar “Portugal a Fingir”. Paulo Portas dizia, ufano e triunfal, que “a ideia de crise já bazou”. Não sei que país conhece o vice-primeiro-ministro, mas só pode ser o mesmo retratado há meses pelo líder parlamentar do PSD, quando afirmava que “a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”. “Portugal a Fingir” é também sinónimo desta coligação em que, como é público e notório, o Pedro passa a vida a olhar por cima do ombro, não vá o Paulo fazer das suas. E nem sequer se preocupam em disfarçar.

São estas pessoas, que têm cadastro político em vez de currículo, que nos vêm agora garantir “previsibilidade”, “confiança” e “estabilidade política”. São estas pessoas que querem mexer na Segurança Social sem nos dizer como – sim, já sabemos que é cortar nas pensões atribuídas – que nos vêm pedir novo cheque em branco. Repito por isso a pergunta: Portugal à Frente, mas em quê?

Nuno Saraiva
Opinião DN 07.06.2015