Portugal à Frente

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Trabalhar. Costumava ser este o verbo em que melhor se conjugava a luta por uma vida digna. Numa linguagem um pouco mais técnica, trabalhar era também a melhor forma de garantir uma sobrevivência acima do limiar da pobreza. Ainda é assim, mas é cada vez menos assim.

Há muito que os especialistas alertam para o avolumar do número dos portugueses que, apesar de trabalharem, continuam mergulhados numa existência penosa, dependentes de apoios sociais uns; outros nem isso; outros ainda pior, engrossando as filas da sopa dos pobres, a solidariedade substituída pela caridade, outro dos sinais de decomposição social.

A desvalorização e desregulação do trabalho, com todas as suas funestas consequências sociais, foi um dos castigos que nos impôs a troika, com a cumplicidade impotente de quem estava no Governo na altura (PS) e o entusiasmo militante de quem se preparava para tomar as rédeas do poder (PSD/CDS).

Na impossibilidade de desvalorizar moeda, a solução para tornar o país mais competitivo (!) foi tornar as pessoas mais pobres, com os salários a encolher, fosse por via da redução das remunerações, fosse pela via da subida brutal dos impostos sobre o trabalho, fosse pelo desmantelamento das convenções coletivas, fosse com os cortes nas pensões.

Não há dúvida que a estratégia resultou. O emprego está efetivamente a aumentar, ainda que em valores ridículos. E os salários baixos são cada vez mais a regra. Ou seja, quem quer trabalhar tem cada vez menos a garantia de uma vida digna. Basta ler os números divulgados, esta semana, nas páginas do JN: há agora 880 mil portugueses a receber o salário mínimo. Em 2011, quando a troika estava a chegar, eram 345 mil.

Não se iludam. Isto não significa que foram criados mais de meio milhão de postos de trabalho, ainda que com salários low-cost. O que aconteceu foi que, por um lado, muitos dos que perderam o seu emprego só puderam regressar ao mercado aceitando condições muitas vezes degradantes. Por outro, os jovens que ingressam hoje no mundo laboral têm de aceitar salários muito mais baixos do que o que era oferecido aos seus pais.

Como também se escrevia na notícia do JN em que se dava conta desta tragédia, semelhante cenário é classificado nos manuais como o sinal de uma economia mais competitiva. Competir através da escassez, da pobreza, da miséria. Ora aqui está um futuro brilhante em perspetiva. Uma taxa de desemprego a descer (catapultada por salários baixos, mas também pela emigração, o subemprego, a precariedade e a desistência) e uma taxa de pobreza a crescer. Nesta matéria, Portugal vai claramente à Frente.

Rafael Barbosa
Opinião JN 20.08.15