Pressões

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JUSTIÇA E INDEPENDÊNCIA NACIONAL 
Aparentemente, passou despercebido, sem escândalo nem debate, um comentário do presidente da Comissão Europeia sobre o envolvimento dos tribunais portugueses na execução das políticas do Governo, quando respondia às perguntas dos jornalistas que acorreram ao 2.° Fórum Empresarial do Algarve que se realizou no passado fim de semana, em Vilamoura, e ao qual compareceram além dos empresários, como era previsível, muitos dos mais altos responsáveis políticos do país. A edição do “Jornal de Notícias” de domingo passado destacava em título, na página 27: “Durão Barroso envia recado ao Constitucional”. Nem um título tão ousado como este suscitou qualquer indignação, nota de esclarecimento ou desmentido, apesar de tais afirmações desassombradas valerem a Durão Barroso o estatuto de “Figura do dia”, com destaque também na última página do mesmo jornal. No corpo da notícia, a jornalista esclarece que “quando questionado sobre os chumbos do Tribunal Constitucional”, o presidente da Comissão Europeia respondeu que o cumprimento do “memorando de entendimento” assinado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, não é apenas uma obrigação do Governo – é uma obrigação “de todos os órgãos de soberania”, “o que inclui os tribunais”.
Afirmações deste teor e neste contexto são vulgarmente interpretadas como tentativas ilegítimas de pressão sobre o poder judicial independente e, em particular, sobre o Tribunal Constitucional. E como é ao Tribunal Constitucional que cumpre, em caso de litígio, garantir o respeito pela Lei Fundamental da República Portuguesa e fazer prevalecer as suas normas contra atos dos órgãos de soberania que as possam violar, é a própria soberania do Estado português e a supremacia da nossa ordem jurídica democrática que estão aqui em causa. Infelizmente, por várias vezes, de forma mais aberta ou encapotada, alguns altos responsáveis do poder executivo têm incorrido em tentativas de intrusão na esfera de autonomia do poder judicial, suscitando indignação e adequada censura. O presidente da Comissão Europeia, contudo, tendo, além do mais, exercido por breve período as funções de primeiro-ministro de Portugal, não tem competência nem legitimidade para interferir nos assuntos internos de um Estado-membro da União Europeia e opinar sobre as relações entre as suas instituições soberanas.
Tal leviandade merece um ato de repúdio imediato e inequívoco. A Comissão Europeia deve ao Tribunal Constitucional português o mesmo respeito e deferência com que trata o Tribunal Constitucional alemão e as constituições de todos os estados-membros, designadamente, exigindo o respeito pelos princípios constitucionais comuns que uma maioria conjuntural pretenda subverter através do abuso dos poderes de revisão constitucional, como é o caso atual da Hungria, sob investigação do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu. Ao contrário do que pretendem os ideólogos da nova barbárie, os valores consagrados na nossa Constituição são largamente partilhados por todas as constituições democráticas e mergulham as suas raízes bem fundo nas melhores tradições da cultura europeia. Impõe-se aos nossos representantes eleitos a apresentação de uma exigência de cabal desagravo!
Pedro Bacelar de Vasconcelos
Professor e constitucionalista