Que democracia europeia?

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A democracia europeia não satisfaz os anseios dos cidadãos. A tentativa de avançar mais rapidamente na construção das instituições europeias deparou-se com profundas resistências – não só pelos efeitos do rápido alargamento a Leste, com as fragilidades inerentes, em especial no tocante à coesão, mas também com as consequências da grave crise financeira. Os dois resultados conjugados somaram-se ao agravamento dos conflitos desregulados no Mediterrâneo Oriental e Médio Oriente, à pressão demográfica e ao medo instalado entre os europeus pelo receio das consequências da chegada dos refugiados – numa conjuntura de incerteza e de instabilidade, ditada pelos atos violentos de intimidação relativamente às sociedades ocidentais. Um círculo ameaçador manifesta-se na Europa, gerando a reação do “salve-se quem puder”, com esquecimento de que a fragmentação e a tribalização apenas terão como consequência a multiplicação da instabilidade e a escalada do medo e da violência, numa espécie de instinto de defesa inconsequente, com resultados claramente contrários aos que se poderia desejar. E assim chegamos a uma situação paradoxal – havendo, mais do que nunca, necessidade de Europa, de coordenação de políticas, de gestão de espaços e territórios e de partilha de responsabilidades, presenciamos a multiplicação de uma atitude puramente defensiva, baseada no temor da imigração e da presença das diferenças. Como aconteceu nos anos trinta do século XX, em lugar da cooperação surge a reação nacionalista e a ilusão do protecionismo.

A oposição democracia representativa/democracia participativa é um falso dilema – uma vez que a representação e a participação são faces da mesma moeda – como o é a liberdade e a igualdade ou a igualdade e a diferença, os direitos e os deveres ou a igualdade de oportunidades e a correção permanente das desigualdades. No fundo, a democracia só pode aperfeiçoar-se se partir das ideias de imperfeição e de perfectibilidade. E a subsidiariedade diz-nos que devemos compreender o carácter complexo das sociedades humanas, com diversos níveis de legitimidade e de responsabilidade. Na União Europeia volta a falar-se da estratégia da “porta de detrás”, defendida por Jean Monnet quando, em meados de cinquenta, a França inviabilizou a Comunidade Europeia de Defesa. Do que se tratava? De voltar aos desafios do funcionalismo e do gradualismo – depois da tentativa de andar rapidamente. Se é fundamental ter objetivos ambiciosos, também é indispensável haver uma preocupação de eficiência e de equidade, de equilíbrio e de partilha de soberanias. Não se trata de fazer uma nação europeia ou de replicar a experiência norte-americana, mas sim de construirmos uma “União de Direito”, cuja legitimidade é dupla, envolvendo os Estados e os cidadãos. A verdade é que os cidadãos não se sentem totalmente representados pelo Parlamento Europeu, tornando-se indispensável consagrar uma ligação efetiva e permanente aos parlamentos nacionais, com meios orçamentais mais relevantes, como forma de reforçar a intervenção das instituições europeias na construção de uma política de coesão económica e social.

O brexit é uma interrogação perturbadora. Foi uma caixa de Pandora que se abriu, libertando forças que ninguém domina. O sistema de segurança e defesa europeu precisa indiscutivelmente do Reino Unido e não basta falar-se da NATO. Se agora é irreversível esta negociação de saída, resta saber se no final do processo, com tantas incógnitas, não poderá haver um balanço que apresente mais resultados negativos do que positivos. Basta lembrarmo-nos da importância da City londrina como primeira praça do euro, da relevância do Reino Unido na aplicação dos fundos comunitários, na questão escocesa, no futuro da Irlanda (cujos acordos de paz exigem fronteiras abertas)… Como funcionará a frente atlântica da União Europeia (crucial para nós) sem o Reino Unido? Se o euro não está ferido de morte, sofre seriamente os efeitos das economias frágeis que o utilizam. A aceleração do alargamento a leste enfraqueceu institucionalmente a União Política europeia, do mesmo modo que os efeitos da crise financeira reduziram as perspetivas de crescimento. A estagnação económica europeia e o fechamento fomentaram a fragmentação. Daí ao agravamento da situação foi um passo. O surgimento de tensões ditadas pela crise dos refugiados e pela difusão de um medo persistente do desemprego favoreceu as forças nacionalistas e incentivou o populismo – pano de fundo que condicionou o brexit e a eleição americana e abriu uma lógica antieuropeia e fragmentária. Nestes termos, a crise do euro não tem que ver com a falta de credibilidade da moeda europeia, mas com a ausência de perspetivas imediatas de crescimento económico na Europa, por ausência de uma política ativa de investimento. Trata-se, em suma, de uma moeda forte, que limita o espaço de manobra das economias do seu espaço com maior grau de dependência externa. A eleição francesa de Macron exige, assim, muito trabalho europeu!

Guilherme D’Oliveira Martins
DN opinião 18.05.2017