Reformas? Que reformas?

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Portugal tem hoje uma sociedade mais doente e uma economia mais frágil do que quando começaram a ser aplicadas as medidas de liberalização e austeridade que revolucionaram o país nos últimos anos. Há menos criação de riqueza, menos capacidade produtiva e menos emprego. Mais desigualdade, mais população em risco de pobreza e mais pessoas em situação de privação grave. Foram vendidos ao desbarato activos públicos. E também há mais dívida pública e mais dívida externa.

As pessoas, claro está, sabem-no e sentem-no, o que cria um problema aos defensores da estratégia aplicada: é que ela não só produz uma economia e uma sociedade que as pessoas não querem, como produz também resultados muito diferentes do que havia sido prometido. As privatizações, recorde-se, eram apresentadas como promotoras da eficiência, dada a suposta evidência que o privado faz sempre melhor – evidência mais evidente quando não se sabia o que se sabe hoje sobre o BPN, o BES ou a PT. A desvalorização do trabalho, prosseguida de inúmeras formas, foi sempre promovida como geradora de emprego: o desemprego, aliás, era por definição causado pelo custo excessivo do trabalho. E a própria austeridade, vale a pena recordar, era apresentada como amiga do crescimento, em virtude dos supostos efeitos sobre ocrowding-out ou sobre a confiança. Em vez disso, claro está, temos tido captura de rendas por interesses particulares, destruição de emprego e de capacidade produtiva, e vamos a caminho de uma década perdida em matéria de crescimento e desenvolvimento.

Ora, o que é se deve fazer quando a nossa estratégia produz resultados tão obviamente distintos do prometido e tão contrários às aspirações das pessoas? Simplesmente, negar que ela tenha sido devidamente aplicada. Os resultados não são os prometidos, alega o coro liberal, porque o ímpeto reformista não tem sido suficiente. Porque não se reformou verdadeiramente o estado. Na versão mais cínica, porque este governo “é na verdade anti-liberal”, como se o liberalismo realmente existente dispensasse a instrumentalização do Estado para a garantia de rendas, para a fragilização do trabalho e para a abertura ao lucro privado de sectores protegidos.

Só que é este e não outro o liberalismo do Compromisso Portugal ou dos cronistas do Observador. São estes e não outros os seus resultados. E o discurso que, distanciando-se, procura agora branquear esse facto não é mais do que uma tentativa de eternizar este programa distópico.

Alexandre Abreu
Opinião Expresso 21.03.2015