Refugiados

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Contam-se por muitas centenas de milhares os portugueses que atravessaram ilegalmente as fronteiras da Europa, desde o princípio dos anos sessenta até abril de 1974. Uns fugiam da fome e da miséria a que não se resignavam. Outros recusavam uma guerra injusta onde não queriam matar ou morrer absurdamente. Todos partiam em busca da liberdade e da esperança que a tirania lhes negava. Não foi assim há tanto tempo: estamos vivos e bem lembrados! É por isso com profunda consternação que vemos as notícias dos muros que se erguem e das fronteiras que se fecharam por essa Europa fora, com o único intuito de impedir a passagem daquelas crianças, homens e mulheres que desesperadamente tentam escapar à guerra, à fome, à opressão.

A decisão da Hungria – um estado membro da União Europeia – de qualificar como criminosos os refugiados que atravessem as suas fronteiras, constitui uma violação inadmissível dos mais elementares direitos humanos que não podia ficar impune. A passividade dos governos europeus, incapazes de lançar uma ação concertada para enfrentar esta emergência humanitária que a cada dia se agrava e multiplica o número de vítimas, foi já objeto de veemente denúncia pelo Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. António Guterres manifestou a esperança de que a solidariedade dos povos e a força dos movimentos cívicos que não aceitam tornar-se meros espetadores desta tragédia possam quebrar a indiferença cúmplice dos governantes europeus.

A queda do Muro de Berlim é o marco histórico do fim de toda uma era. Por isso é particularmente estranho que a Alemanha tenha acordado tão tarde e mal, para enfrentar um problema que lhe é familiar e de cuja solução resultou a reunificação das duas Alemanhas, circunstância que justamente permitiu à atual primeira-ministra – uma alemã do “Leste” – aceder às funções que agora desempenha. O encerramento provisório das fronteiras alemãs traduz-se numa perigosa cedência à desavergonhada atitude dos seus vizinhos da República Checa e da Hungria que exploram até à náusea os sentimentos xenófobos e semeiam a desconfiança e o medo entre os seus povos. Todos os constrangimentos hipocritamente invocados pelos governos para colocar entraves à livre circulação de pessoas – tal como a infiltração de terroristas, a insegurança das populações ou as legítimas motivações económicas atribuídas aos imigrantes – alimentam, nas circunstâncias presentes, os preconceitos mais arcaicos e ampliam as oportunidades da propaganda reacionária dos movimentos antidemocráticos da extrema-direita que tentam por todos os meios aliciar a opinião pública para arrancar novas concessões aos seus representantes eleitos.

Não se entende que os mesmos governantes que, recentemente, quase conseguiram expulsar a Grécia da União – a pretexto das dificuldades de negociação da dívida soberana – não tenham sancionado, em tempo, o governo da Hungria, apesar de condenado por múltiplos atropelos à liberdade e à democracia no próprio Parlamento Europeu. O resultado está à vista. Enquanto a Grécia, a Itália, a Turquia, o Líbano ou a Jordânia acolhem multidões de fugitivos exaustos, em condições cada vez mais precárias, na Europa perpetua-se a discussão sobre a fórmula exata da distribuição dos expatriados pelo território de cada país!

Não tem desculpa nem perdão o criminoso impasse a que se acomodaram as autoridades europeias. Entretanto, os cadáveres de homens, mulheres e crianças acumulam-se no fundo do Mediterrâneo… há muitos anos. Fogem da violência e da guerra que as políticas insensatas do Ocidente promoveram na Palestina, no Iraque ou na Síria. Fogem para não morrer sob o fogo das armas que os traficantes do Ocidente e do Oriente continuam a vender.

Pedro Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 17.09.2015