Rosário Gama

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“Libertar Portugal da Austeridade”
Discurso proferido por Maria do Rosário Gama  

Começo por agradecer o convite para estar presente nesta sessão.
Estou aqui em nome individual mas muitas pessoas que tiveram conhecimento que eu ia participar nesta sessão, disseram que falasse em nome delas. 
Vim de Coimbra aonde regressarei no final da sessão, mas vim para poder dizer com toda a convicção: BASTA! Estamos fartos! Não aguentamos! 
Não aguentamos ver o desemprego a aumentar de uma forma descontrolada e a tristeza espelhada nos rostos dos jovens e menos jovens que querem trabalhar e não têm emprego! 
– Não aguentamos ver a Escola Pública a regredir na sua qualidade, com o despedimento de milhares de professores, com o corte nos seus salários, com o aumento do número de horas semanais (como se o horário do professor fosse só o que é cumprido na sala de aula ou na escola), com o aumento do número de alunos por turma, com a criação de giga-agrupamentos, com a diminuição da atenção aos alunos com mais dificuldades, com a redução no número de auxiliares de educação, com o espectro da mobilidade em geral, que rapidamente conduz ao desemprego… 
– Não suportamos assistir à agonia do Sistema Nacional de Saúde, uma das maiores conquistas de Abril, cada vez com menos capacidade de resposta para os seus utentes; com o aumento das taxas moderadoras, com a diminuição drástica de recursos humanos e materiais nos hospitais, nos cuidados continuados… Vemos surgir as clínicas privadas como cogumelos… 
– Não suportamos uma justiça ineficaz e desrespeitada; 
– Não suportamos os aumentos brutais de rendas e do IMI que afectam a todos e com grande intensidade, idosos e reformados. 
– Não suportamos nem comentários, nem comentadores, não isentos partidariamente, a entrarem diariamente nas nossas casas e a tentar justificar o injustificável… 
– Não suportamos “manchetes” de jornais e jornalistas a dizer que não há dinheiro para pagar pensões: uma mentira à custa de ser repetida tem tendência a ser adquirida como verdade… 
– Não suportamos que seja considerado normal a supressão dos direitos contratados e não só adquiridos que os cidadãos mais idosos adquiriram ao longo de toda uma vida de trabalho. 
Cada vez que há um programa de avaliação da troika, por detrás de elogios ao bom comportamento deste bom aluno que é o governo português, é pedida mais austeridade para os portugueses. E o governo aceita e presta-se subservientemente não só a cumprir os desejos da troika mas a ir para além desses desejos. O poder financeiro surge em toda a sua pujança, impondo as suas regras, os seus modelos, utilizando o seu sofisticado saber e a tendência vencedora é a de empobrecer as populações e concentrar o capital, permitido que este tome todas as decisões importantes que normalmente são desfavoráveis ao bem estar da sociedade e fazem regredir os valores civilizacionais conquistados ao longo de séculos. 
Que jeito que deu ao Governo o memorando da troika! Que forma hábil de cumprir desejos íntimos de implementar um programa neo-liberal que retirasse ao Estado a sua vertente mais humana e concedesse aos privados aquilo que há tanto eles ambicionavam: o domínio nos sectores mais rentáveis, substituindo-se ao Estado nas suas obrigações. 
Segundo Krugman: “Os políticos tomaram o caminho da austeridade porque quiseram, não porque o tivessem de fazer.
Para além da ofensiva do Governo contra os Funcionários Públicos, Nós, os reformados temos vindo a ser objecto de uma ofensiva mesquinha, discriminatória e portanto ilegal, com vista a reduzir drasticamente os nossos rendimentos e condições de vida. 
Somos considerados um fardo social para o Governo, somos os não utilitários, desprovidos de direitos e que não merecemos mais do que o mínimo necessário à sobrevivência. Porque é que um idoso reformado tem que comprar livros? Porque é que tem que ir ao cinema ou jantar fora de vez em quando? Porque é que um idoso há-de ir para a praia? E Viajar? Nem pensar! Se alguma vez teve essa possibilidade, agora remeta-se à sua condição de sobrevivente!!! 
Com o Título “O sonho de Passos Coelho”, Vítor Malheiros escrevia no Público: 
«”Um terço é para morrer. Não é que tenhamos gosto em matá-los, mas a verdade é que não há alternativa. Se não damos cabo deles, acabam por nos arrastar com eles para o fundo. E de facto não os vamos matar-matar, aquilo que se chama matar, como faziam os nazis. … (…)Basta que a mortalidade aumente um bocadinho mais que nos outros grupos… A tendência já mostra isso e o que é importante é a tendência. Como eles adoecem mais, é só ir dificultando cada vez mais o acesso aos tratamentos. A natureza faz o resto…” (fim de citação).
A verdade, é que o que está a acontecer na saúde, não é “o sonho do Passos Coelho” mas é a dolorosa realidade: Os não utilitários não têm que ter os mesmos cuidados que os utilitários… Taxas moderadoras altas? Não permitem o acesso a todos; as deslocações aos centros hospitalares passaram a ser inviáveis desde que foi cortado o transporte gratuito feito pelas ambulâncias, bombeiros, táxis… e as pessoas deixaram de se poder deslocar. Os medicamentos estão mais baratos mas para muitos a opção é entre o medicar-se ou comer? É optar entre o Entre o morto e o morrido!… 
Diz Fernando Dacosta: 
“Tijolo a tijolo o edifício da dignidade vai ruindo. Tudo aquilo que conseguimos juntar, casa, carro, poupanças, conforto está a ser penalizado, esbulhado” 
O esbulho aos pensionistas entre 2012 e 2013 é, segundo o Dr. Eugénio Rosa, 
O valor total (acumulado) estimado de cortes realizados nas pensões. em 2011 foi de 744, em 2012, 2119 milhões de Euros e previstos para 2013 os cortes atingem 1300 M.E – Total 4163 milhões de euros. 
Não aceitamos moralidades de conveniência que justifiquem pretender colocar rapidamente todos os reformados dos sistemas de protecção civil do Estado numa posição de subsistência sem direitos de liberdade económica, dependentes de uma ajuda mínima de sobrevivência. Trata-se de um projecto ideológico contrário a valores da Europa, contrário aos valores que reconhecíamos no passado aos dois partidos do governo, um projecto cruel. 
Em Espanha, mesmo com a situação económico-financeira há respeito pelos seniores nas propostas de reformas; 
A atitude deste governo é uma vergonha no seio da Europa civilizada, deveria ser o governo a defender os reformados, cidadãos ameaçados, e a denunciar esta discriminação como anti-civilizacional. Não deve existir um outro país da Europa que aceitasse fazer isto. 
Não aceitamos os Silva Lopes, Catrogas… que dizem que as reformas têm que ser cortadas…Nunca os ouvi dizer que podiam ser reduzidas outras despesas, como como se não existissem BPN’s, Banif’s, Zona Franca da Madeira; Offshores, fortunas acumuladas e escondidas na Suiça, no Luxemburgo.
A austeridade é cega, é irracional, é cobarde, destrói a coesão social, impede o crescimento. A austeridade só faz crescer a pobreza; a austeridade agudiza o conflito social. A austeridade põe em causa a solidariedade social, quebra o equilíbrio intergeracional. A austeridade acorda sentimentos mesquinhos, remete as pessoas para posições egoístas. Numa palavra, a austeridade é autista e transporta consigo uma filosofia anti-solidária que segrega os mais frágeis. 
O empobrecimento colectivo a que o povo português está sujeito não contribui para a diminuição da dívida pública; antes pelo contrário, em seis anos, a dívida pública quase duplicou: passou de 108 mil milhões de Euros em 2006 para 194 mil milhões em 2012; De 2007 a 2009 a dívida aumentou 22 milhões de euros por dia, mas de 2010 a 2012, já com a austeridade aumentou 56 milhões de euros por dia; 
A renegociação da dívida não é apenas um alongamento dos prazos de pagamento; como se refere num documento da iniciativa para uma auditoria cidadã à dívida Portugal precisa cortar na dívida e nos seus juros que valem quase tanto como o orçamento da saúde e mais do que o da educação. Esta é a única despesa que pode ser cortada sem provocar recessão e cujo corte permite relançar o investimento e criar emprego. 
A renegociação da divida deve anular parte do seu valor, baixar os juros e ajustar prazos de pagamentos às possibilidades reais da economia. 
Para terminar: 
O antropólogo inglês James George Frazer (1854-1941) indicou que, em algumas tribos africanas, existe o costume de sacrificar aos deuses os elementos mais fracos; há também comunidades em que os idosos são assassinados ou levados ao suicídio quando já não conseguem sustentar-se a si próprios. 
Um associado escrevia-me e dizia: 
As perspectivas presentes e futuras são dramáticas e questiono-me sobre o que fazer ? Matar ou suicidar-me ? roubar, deixar de assumir compromissos bancários e esperar pelas execuções e penhoras da pensão ? (criar outros problemas gerais, incluindo aos filhos, endividamento etc. ?…); deixar de pagar os compromissos e ter de recorrer à insolvência ? ; deixar de pagar a renda de casa e ir viver e dormir para o carro ? etc. … 
Mas é esta a austeridade que está avançar, é esta austeridade que agrada aos Srs. Mário Draghi e Wolfgang Schauble mas é também este tipo de austeridade de que nós nos queremos libertar.
Para além de desejarmos a mudança das pessoas que nos governam por não terem cumprido com as suas promessas e estarem a conduzir Portugal para o abismo, desejamos a mudança desta política cruel, desejamos uma representação verdadeira dos cidadãos, desejamos um governo humano, justo e rigoroso e transparente na defesa de Portugal e dos portugueses, de todos os portugueses sem discriminação. Vou voltar para Coimbra com esse pensamento, disposta a trabalhar por esse imperativo moral.