Sim, nós queremos banana

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Nos dias que se seguiram à queda do Muro, uma das imagens mais repetidas pelas televisões e jornais era a dos alemães do Leste a comerem bananas. Sabiam a liberdade, a um mundo sem molduras

Quase todos gostam de bananas, mas não pelas mesmas razões. Lembrei-me disto quando comprava bananas na berma da estrada em Nairobi. Não é de África que vou falar, mas da banana como categoria política.

Fora da Alemanha poucos a associam à queda do Muro. E à nitidez das coisas humanas por oposição à distopia. Na viagem da memória, a ordenação dos acontecimentos ensaia uma explicação sobre nós mesmos. Compreender a Alemanha e o seu presumível mundo individual passa pela banana. Talvez a revolução em curso na Venezuela venha a ser conhecida como a das arepas, um pão de milho típico daquele país.

Uma anedota que se contava na República Democrática da Alemanha é a seguinte: “Como se consegue duplicar o valor de um Trabi (Trabant)? Enchendo-lhe o depósito. E triplicar? Colocando uma banana sobre o tabliê”.

Qualquer outro fruto onde o sol do sul tenha pousado poderia ter sido o fruto da revolução. Ananás ou pêssego eram escassos na RDA. As laranjas viajavam de Cuba e chegavam em tal estado que eram conhecidas como “a vingança de Castro”. Porquê então a banana?

Passada pouco mais de uma década sobre o final da Segunda Guerra, ainda o Muro não partia Berlim, o então chanceler da RFA, o democrata-cristão Konrad Adenauer, celebrava uma vitória. “A banana é uma esperança e uma necessidade para todos nós”. Corria o ano de 1957 e Adenauer assinava os Tratados de Roma com uma condição: que a importação da banana não fosse sujeita a taxas alfandegárias.

A exótica banana tornou-se num símbolo do milagre económico alemão e do novo bem-estar.

Também o SED, o partido único na RDA, reconhecia a importância da banana, um fruto raro e caríssimo. Em 1972 numa reunião do Politiburo declarou-a (ou melhor declarou a falta de banana) assunto de Estado.

No ano de 1989, quando a Alemanha Democrática estava meia morta, Günter Schabowski – o homem cuja gaffe fez cair o Muro – terá confidenciado a uma jornalista, que durante uma reunião do partido, alguém terá sugerido a fórmula para travar o descontentamento popular: “Podemos dar-lhes bananas!”. A versão germânica dos croissants de Maria Antonieta.

Visto de fora pode até parecer bizarro, mas nos dias que se seguiram à queda do Muro uma das imagens mais repetidas pelas televisões, jornais e revistas da RFA era a dos alemães de Leste a comerem bananas. Sabiam a liberdade, a um mundo sem moldura.

Postfácio: o mundo está a desmoronar-se nos locais onde menos esperamos, como em países da civilizadíssima Europa, como não posso pedir que abrande para eu sair para respirar, refugio-me em dias em que a liberdade era tão desejada e saboreada como a banana.

Helena Ferro de Gouveia