Terrorismo e economia: a Europa em guerra

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INFELIZMENTE, A LINHA POLÍTICA QUE DOMINA ATUALMENTE A UNIÃO EUROPEIA ESTÁ ESSENCIALMENTE PREOCUPADA COM QUESTIÚNCULAS ECONÓMICAS IRRELEVANTES EM VEZ DE SE FOCAR NO QUE VERDADEIRAMENTE CONTA PARA O SEU FUTURO

O dramático e revoltante ataque terrorista em Nice, que fez quase uma centena de mortos e outros tantos feridos, vem demonstrar mais uma vez que a Europa é um continente em guerra, uma guerra diferente das tradicionais, mas que nem por isso deixa de ser uma guerra. E por trás desta guerra diferente vive-se uma outra guerra, a guerra económica, em que também há muitas vítimas.

Nos últimos anos já assistimos a ataques terroristas em Londres, Madrid, na Suécia, na Alemanha e três em França, além da Turquia e Tunísia. O caso mais dramático é o francês. O primeiro atentado foi contra um dos pilares da civilização ocidental, a liberdade de expressão. Comparativamente, os mortos foram poucos, mas o exemplo foi enorme: os terroristas não suportam a liberdade de expressão, a liberdade de criticar, a liberdade de satirizar as convicções dos outros, mesmo que por vezes de forma excessiva. Em seguida, o ataque ao Bataclan e este agora (como o que ocorreu na Suécia) foram contra a celebração, a festa, contra os mais jovens, reunidos numa discoteca, numa ilha ou numa avenida, para dançar ou para ver o fogo de artifício. Na Tunísia foi contra turistas. E depois há os atentados contra o dia-a-dia das pessoas, no metro ou nos autocarros, como os que ocorreram em Londres. É o nosso modo de viver que se pretende atingir. São os fundamentos e os valores em que assentam as sociedades ocidentais que se pretendem pôr em causa. E, por tabela, destruir os mecanismos em que assenta a nossa prosperidade.

Sim, convém não esquecer o que Osama Bin Laden pretendia: atingir a economia ocidental no seu coração, fazê-la colapsar, destruí-la. O ataque às Torres Gémeas foi simbólico por isso mesmo. Um aviso e um alerta. Ora ninguém gosta de viver, consumir, investir num país onde campeia a insegurança, a violência doméstica ou terrorista. Quem conhece o Brasil sabe como é opressivo viver em condomínios fechados, rodeado de seguranças privadas, ou andar em carros blindados, com vidros à prova de bala, de portas sempre trancadas – e que por isso, sendo um país tão imenso, recebe menos de metade dos turistas que visitam Portugal anualmente.

É, pois, isto que o terrorismo pretende: que o medo se instale nas nossas sociedades, no nosso modo de viver, que aceitemos como normal esta anormalidade de atentados brutais e devastadores contra cidadãos indefesos. Se é possível um atentado destes em Nice, uma pequena cidade francesa sem grande relevo, então isso quer dizer que ninguém está seguro em nenhum lado. Os atentados podem ocorrer em qualquer local, por mais inesperado e surpreendente que seja. E isso dificulta enormemente a atuação das forças de segurança.

Ora este clima terá inevitáveis efeitos económicos para uma Europa que já se debate com um crescimento anémico e severos problemas sociais. Com efeito, a crise de 2008 conduziu ao encerramento de milhares de empresas, sobretudo nos países periféricos, e fez com que milhões de pessoas ficassem desempregadas. Grande parte delas, mais de 50%, provavelmente nunca conseguirão regressar ao mercado de trabalho. E esse desencanto conduz ao desespero, sobretudo quando a Europa toma sucessivas decisões económicas onde a última preocupação que parece existir são precisamente as pessoas.

Os que ficam de fora, os excluídos do progresso, são precisamente os que têm menos qualificações. E isso é o que acontece com praticamente toda a enorme massa de trabalhadores franceses com ascendência no norte de África ou nas antigas colónias francesas. Não estou a dizer nem caio no erro de juntar desemprego e pobreza com terrorismo. Mas é evidente que uma pessoa desesperada está mais sensível a seguir ideais radicais do que alguém que não tem de viver com escassos cêntimos todos os dias e sente que é tratado como lixo ou como alguém invisível pela sociedade.

Sim, claro que se tem de aumentar a prevenção, vigilância e segurança. Sim, é claro que estamos dispostos a perder liberdades individuais para vivermos sem o espetro de que a qualquer momento um fanático nos pode liquidar. E sim, isso está a mudar pouco a pouco a maneira de viver nas sociedades ocidentais.

Mas mais policia, mais forças armadas, mais bombardeamentos sobre os bastiões do Daesh, não resolvem o cancro de onde brota o mal. As sociedades perdidas em África e no Médio Oriente precisam de ser ajudadas a reerguer-se e a criar condições mínimas de vida para os seus povos. Esse é um necessário primeiro passo para que desapareça o ovo da serpente que ali existe. Não é fácil e trata-se de um caminho cheio de escolhos e muito lento. Mas é a única alternativa sensata a uma guerra que, por meio apenas das balas e de bombas, se vai arrastar por muitas décadas.

Quanto à Europa, muito se tem de fazer para tornar as nossas sociedades mais inclusivas e menos desiguais. Infelizmente, não é esse o caminho que tem vindo a ser seguido desde 2008. O que se prossegue são políticas que causam rancor, ódio, desconfianças. O regresso aos valores fundadores da União, de solidariedade em vez da punição, de apoio em vez da suspeição, de inclusão em vez de exclusão, de respeito pelos povos em vez de desprezo por alguns deles, é essencial. Infelizmente, a linha política que domina atualmente a União Europeia está essencialmente preocupada com questiúnculas económicas irrelevantes em vez de se focar no que verdadeiramente conta para o seu futuro.

Nicolau Santos
Opinião Expresso Diário 15.07.2016