Um tiro no pé?

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Foto: UM TIRO NO PÉ?Fique desde já claro que estou, como qualquer outro reformado, desiludido e surpreendido com o facto de o Tribunal Constitucional não ter declarado inconstitucional a norma contida no artº 78º da Lei do Orçamento de Estado, relativa à contribuição extraordinária de solidariedade. A análise que eu próprio fazia, apoiado no texto constitucional e na leitura dos pareceres dos especialistas, conduziu-me à convicção de que pelo menos esta norma, se não outras, seria rejeitada. Nos últimos 4 ou 5 meses esta convicção foi-se fortalecendo sempre mais. Continuo a pensar que o devia ter sido, mesmo depois de ler, e reler, as treze páginas em que o TC fundamenta a sua decisão sobre a CES. E se é verdade que a minha competência para apreciar a argumentação utilizada é mínima, também é verdade que a esmagadora maioria dos especialistas confessa, se não a sua desilusão, seguramente a sua surpresa.O acórdão ontem lido não deixa, por isso, de ter uma importância e um valor inegáveis. Mais do que por ter corrigido algumas medidas que prejudicavam gravemente os que por elas eram afectados, nos quais me incluo, mas sobretudo por ter deixado claro que não é a CRP que tem que se vergar à governação (se se lhe pode chamar isso), mas é esta que está obrigada a submeter-se à primeira, da qual aliás retira a sua própria legitimidade. Mais: reduziu a pó as veleidades dos xicos-espertos que nos governam de procurarem tornear com truques de prestidigitador de feira o acórdão de 2012. O TC pô-los no seu lugar. Obrigou-os a meter o rabo entre as pernas e a recuar lambendo as feridas. A nossa desilusão não deve obscurecer a dimensão desta vitória. Não deve a meia derrota de uma parte dos cidadãos reformados sobrepor-se à vitória do regime constitucional.Isto não significa que não devamos usar todos os meios que a própria CRP e a Lei põem à nossa disposição para procurar obter a satisfação do que reivindicamos e que pensamos ser o nosso direito. Abrem-se diversas perspectivas para alcançar esse objectivo e não será o acórdão do TC que nos impedirá de as explorar a todas. Julgo que a razão fundamental por que o TC não terá julgado inconstitucional a CES se deve ao facto de a ter equiparado às reduções de salário dos funcionários públicos em 2011, consideradas como não violando a constituição pelo mesmo TC, e com base numa argumentação muito semelhante (repare-se que a inconstitucionalidade da redução de salários dos funcionários públicos voltou a ser requerida, embora apenas pelo PCP e BE, e mais uma vez não foi atendida pelo TC). Haverá que avaliar se é esse o caso e como pode ser contestado. Estamos no início de uma nova fase da luta que se me afigura será longa, a travar nos tribunais administrativos portugueses e nas instâncias judiciais europeias, para o desfecho da qual não é indiferente, obviamente, a luta política.Mas não podemos, não devemos, esquecer que o acórdão do TC, conhecido na passada 6ª feira, é ele próprio um instrumento fundamental da luta política. Na prática, declarou o desgoverno fora da lei. Se a inconstitucionalidade desse lugar a sanções, o desgoverno estaria neste momento a cumprir pena. Não se percebe, pois, a campanha a que assistimos contra os juízes do TC. Ela vinha a ser preparada há muito pela exploração sistemática da impaciência e insegurança suscitadas pela demora da decisão, como aliás referi num outro texto. No entanto, o discurso dominante, o meu incluído, considerava o TC como a última fronteira que separava o Estado de Direito da barbárie, desde que Sua Inutilidade, quebrando o juramento que o obrigava a cumprir e a fazer cumprir a CRP, promulgou o OE, embora, hipocritamente, a fim de ressalvar o que julga virá a ser a imagem que a História conservará de si próprio, o tenha submetido à fiscalização sucessiva. Na verdade, não podemos afirmar que nos desiludiu porque já nada esperávamos do

Fique desde já claro que estou, como qualquer outro reformado, desiludido e surpreendido com o facto de o Tribunal Constitucional não ter declarado inconstitucional a norma contida no artº 78º da Lei do Orçamento de Estado, relativa à contribuição extraordinária de solidariedade. A análise que eu próprio fazia, apoiado no texto constitucional e na leitura dos pareceres dos especialistas, conduziu-me à convicção de que pelo menos esta norma, se não outras, seria rejeitada. Nos últimos 4 ou 5 meses esta convicção foi-se fortalecendo sempre mais. Continuo a pensar que o devia ter sido, mesmo depois de ler, e reler, as treze páginas em que o TC fundamenta a sua decisão sobre a CES. E se é verdade que a minha competência para apreciar a argumentação utilizada é mínima, também é verdade que a esmagadora maioria dos especialistas confessa, se não a sua desilusão, seguramente a sua surpresa.
O acórdão ontem lido não deixa, por isso, de ter uma importância e um valor inegáveis. Mais do que por ter corrigido algumas medidas que prejudicavam gravemente os que por elas eram afectados, nos quais me incluo, mas sobretudo por ter deixado claro que não é a CRP que tem que se vergar à governação (se se lhe pode chamar isso), mas é esta que está obrigada a submeter-se à primeira, da qual aliás retira a sua própria legitimidade. Mais: reduziu a pó as veleidades dos xicos-espertos que nos governam de procurarem tornear com truques de prestidigitador de feira o acórdão de 2012. O TC pô-los no seu lugar. Obrigou-os a meter o rabo entre as pernas e a recuar lambendo as feridas. A nossa desilusão não deve obscurecer a dimensão desta vitória. Não deve a meia derrota de uma parte dos cidadãos reformados sobrepor-se à vitória do regime constitucional.
Isto não significa que não devamos usar todos os meios que a própria CRP e a Lei põem à nossa disposição para procurar obter a satisfação do que reivindicamos e que pensamos ser o nosso direito. Abrem-se diversas perspectivas para alcançar esse objectivo e não será o acórdão do TC que nos impedirá de as explorar a todas. Julgo que a razão fundamental por que o TC não terá julgado inconstitucional a CES se deve ao facto de a ter equiparado às reduções de salário dos funcionários públicos em 2011, consideradas como não violando a constituição pelo mesmo TC, e com base numa argumentação muito semelhante (repare-se que a inconstitucionalidade da redução de salários dos funcionários públicos voltou a ser requerida, embora apenas pelo PCP e BE, e mais uma vez não foi atendida pelo TC). Haverá que avaliar se é esse o caso e como pode ser contestado. Estamos no início de uma nova fase da luta que se me afigura será longa, a travar nos tribunais administrativos portugueses e nas instâncias judiciais europeias, para o desfecho da qual não é indiferente, obviamente, a luta política.
Mas não podemos, não devemos, esquecer que o acórdão do TC, conhecido na passada 6ª feira, é ele próprio um instrumento fundamental da luta política. Na prática, declarou o desgoverno fora da lei. Se a inconstitucionalidade desse lugar a sanções, o desgoverno estaria neste momento a cumprir pena. Não se percebe, pois, a campanha a que assistimos contra os juízes do TC. Ela vinha a ser preparada há muito pela exploração sistemática da impaciência e insegurança suscitadas pela demora da decisão, como aliás referi num outro texto. No entanto, o discurso dominante, o meu incluído, considerava o TC como a última fronteira que separava o Estado de Direito da barbárie, desde que Sua Inutilidade, quebrando o juramento que o obrigava a cumprir e a fazer cumprir a CRP, promulgou o OE, embora, hipocritamente, a fim de ressalvar o que julga virá a ser a imagem que a História conservará de si próprio, o tenha submetido à fiscalização sucessiva. Na verdade, não podemos afirmar que nos desiludiu porque já nada esperávamos do “ocupa” de Belém. Mas o TC não nos desiludiu. Não desiludiu os portugueses que prezam o Estado de Direito, que querem defender a herança de Abril, embora tivesse parcialmente desiludido alguns reformados. Mas, mais do que reformados, e antes disso, somos cidadãos, e, nessa qualidade, devemos congratular-nos com a vitória alcançada na 6ª feira e respeitar os protagonistas dessa vitória. Mais: devemos ver no acórdão do TC, não apenas o mérito dos juízes, mas também a consequência da resistência popular.
Surpreende, pois, constatar a reviravolta que se operou nas redes sociais em geral, inclusive da parte de alguns reformados (hélas!), com um crescendo de insinuações, insultos até, em tudo semelhante ao que os gabinetes de propaganda do desgoverno lançaram logo no ano passado e, obviamente, reeditam agora. Não duvido que, no caso dos reformados, tal se deva, subjectivamente, à desilusão por não ter sido declarada inconstitucional a CES. Mas, objectivamente, esta campanha serve os interesses do desgoverno, lançando lama e procurando desqualificar aqueles que, apesar da desilusão que referi, se mostraram à altura da sua missão: ser os guardiões da CRP e, por conseguinte, do Estado de Direito.
Pode ser que tudo o que é referido quanto a mordomias injustificáveis seja verdadeiro e merecedor de crítica. Mas elas já existiam quando as nossas esperanças se voltavam para o TC, e afirmávamos que a apreciação da constitucionalidade compete exclusivamente ao TC e que o desgoverno se devia submeter ao seu veredicto. Como o declarou, corajosamente e sem qualquer ambiguidade, não é a Constituição que tem que se submeter ao Orçamento, mas este à Constituição.
Sejamos, pois, sensatos, e não aceitemos colaborar com aqueles que querem lançar lixo e emporcalhar uma decisão que dignifica a República. Agora começa uma nova fase da luta dos reformados cujas pensões foram gravemente afectadas por uma das medidas do OE. A decisão do TC só pode reforçar a nossa confiança de que as instituições democráticas, embora enfraquecidas, ainda resistem. O que sobretudo temos que evitar é juntar as nossas vozes às dos inimigos do regime constitucional. Estaríamos, sem dúvida, a dar um tiro no pé.