Uma oportunidade à razão

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Os fundamentos invocados pela Comissão Europeia, nomeadamente através da voz de Pierre Moscovici, para o cancelamento das sanções contra Portugal e Espanha revelam que a CE, afinal, não está completamente mergulhada no casulo de irrealidade em que muitos dirigentes europeus parecem ter mergulhado. Para os “suspeitos do costume”, que deram a cara, especificamente contra Portugal, este gesto da CE só poderá ser sentido como uma derrota. Mas a verdade é que a suspensão dos cortes automáticos dos fundos europeus para 2017 ainda tem de ser garantida. O que não é fácil, quando a necessidade de medidas adicionais foi abertamente quantificada pela CE em 0,25% do PIB, já para este ano. É verdade que a mudança de rumo da CE abre o caminho para a continuação de uma negociação política (em que os argumentos contam), evitando a deriva quase bélica, onde a força bruta substitui a força do argumento. Contudo, o governo tem ainda muito trabalho pela frente. Lisboa deverá sublinhar, junto de Bruxelas, mas também para Berlim escutar, que a disciplina nas finanças públicas dos países do euro é apenas uma das faces do impasse europeu. Se a zona euro quiser ser uma verdadeira união económica e monetária, as medidas de contração da despesa dos países têm de ser compensadas por investimento europeu contracíclico, isto é, investimento que permita criar emprego e produzir um crescimento suficiente para reduzir o peso da dívida, aliviando também o sistema financeiro. Lisboa deverá recordar que os estímulos monetários do BCE não podem substituir a política orçamental, que cabe apenas aos governos nacionais e a Bruxelas. Ora, o Plano Juncker e os fundos estruturais são insuficientes para essa tarefa. O que significa que se está a pedir a Portugal, e a outros países, um esforço unilateral que, sem a maior cooperação económica e orçamental do conjunto da ZE, acabará por estagnar numa insustentável e perigosa austeridade perpétua.

Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 28.07.2016