Velhos atirados para o interior

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Noémia é apenas uma entre muitas. Ao certo, desconhecemos quantas; o Instituto Nacional de Estatísticas não perde tempo com tais minudências. Sem condições para cuidar de um familiar gravemente doente, a Noémia foi proposto o internamento da mãe numa unidade de cuidados continuados. Finalmente!, terá pensado com alívio. Uma meia boa notícia: a mãe foi instalada a 200 quilómetros da área de residência. E um outro calvário começou.

Agora, para a visitar, sai de casa mal o dia desponta, de uma aldeia de Vila do Conde, e apanha vários meios de transporte até chegar à unidade da Santa Casa da Misericórdia de Mirandela, para dar um carinho, ver como passou a noite, se o seu estado de saúde evoluiu, se há alguma réstia de esperança. A alternativa é demasiado dolorosa: esquecer, deixar de ver a mãe, esperar que lhe liguem com notícias – boas ou más.

Há finalmente um destino para o interior despovoado. Transforma-se em abrigo de velhos. Extrema ironia, esta. Um país que deixou tal geografia perder quase tudo, envia os seus idosos para as camas vazias de unidades de saúde, construídas muitas delas com verbas europeias com o intuito de tornar o território mais equilibrado. Nesta nação tão desigual, faltam vagas para os velhos nos hospitais do litoral, junto das atrativas grandes cidades.

Em poucas décadas, o rosto país do país transfigurou-se. Saíram os homens, primeiro para a Europa, à procura de vida melhor; saíram os jovens, para as universidades das grandes cidades, e não mais voltaram. Simplesmente, não tinham para onde voltar. Aquilo a que chamamos cidade, com serviços, escolas, hospitais, emprego, gente, desapareceu. Talvez para sempre.

Uma nova realidade desponta, preocupa. Portugal envelhece. Há cada vez mais portugueses a viver mais tempo, sem que isso signifique viver melhor. As filhas, eternas cuidadoras, entraram no mercado de trabalho, deixando vaga uma função que sempre fora delas. E os velhos tornam-se, não raro, num problema sem solução. A esta nova realidade, os decisores políticos prestam pouca ou quase nenhuma atenção. Olhamos em volta e percebemos não haver resposta, eficaz, digna para quem é velho e familiar de velho com recursos modestos. Existem cerca de 25 unidades de cuidados continuados e paliativos. Insuficientes e notoriamente inadequadas às necessidades.

À beira de um ato eleitoral, os partidos devem apresentar propostas também para os nossos velhos mais frágeis. O morrer, ou como morrer, é ato de extrema dignidade. Que medidas apresentam para esta franja da população terminar os seus dias sem dor, perto do carinho de quem a ama? Usar estes cidadãos para preencher espaços desertos, a centenas de quilómetros de casa, de todo não será o desenlace aceitável.

Paula Ferreira
Opinião JN 25.08.2015